Um conto em três partes (parte 2)
Começou então a enumerar algumas coisas que passavam pela sua cabeça naquele momento. Recordou-se das esmolas que viu os bixos de universidades pedindo pelas esquinas no dia anterior, como pena do trote, disputando-as com meninos de rua. Lembrou de como os transeuntes e motoristas davam com prazer moedas e cédulas aos universitários, enquanto desprezavam os garotos pobres. Pensou em como esse dinheiro seria gasto pelos estudantes, e a possibilidade mais provável lhe pareceu ser uma festa regada a algum tipo de droga. Enquanto isso, as pessoas não davam seu querido dinheiro aos pedintes mais pobres pelo fato de acharem que eles provavelmente o gastariam com cachaça.
Ah, a cabeça humana... Como ela consegue processar o pensamento da maneira que mais lhe agrada. “As mulheres que o digam”, pensava ele, já entrando naquele prédio abandonado. Para ele, as mulheres, durante a “revolução feminista”, tentaram se distanciar filosoficamente dos homens, que para elas eram seres opressores, que castravam todo o seu lindo potencial feminino. Pois bem, as mulheres já são muito mais independentes do que há cinqüenta anos atrás, mas isso fez com que as ilusões em relação à igualdade fossem por água abaixo: atualmente, as mulheres são fracas ou fortes apenas de acordo com a conveniência do momento. Querem direitos iguais, mas deveres diferentes: aceitam trabalhar como gerente, mas não como pedreiro. Querem independência para escolher o parceiro, mas quem tem que dar o primeiro passo ainda é o homem, porque senão é um bundão. Na televisão, os programas estimulam desde cedo a competição entre homens e mulheres (“é ponto para as mulheres!!!”) e fazem a gente pensar que é normal casal brigar. Mas isso não é culpa das mulheres, é inerente ao ser humano. Fazendo um paralelo, para ele as revoluções socialistas do século passado são um ótimo exemplo disso.
Às vezes ele achava que refletia demais as coisas, que se importava demais. E daí que as mulheres não querem ser pedreiras? Existe a diferença física, ora bolas! E daí que as pessoas não ajudam os mendigos para ajudar ricos universitários? Essa ajuda não ia tirá-los das ruas mesmo! Mas não adiantava: ele se importava mesmo. E isso o incomodava. Ele sempre achava que aquele refrão dos Engenheiros era para ele: “eu sou um estrangeiro, um passageiro de algum trem, que não passa por aqui, que não passa de ilusão”. Ele realmente acreditava que tinha nascido no lugar ou na época errada. Admirava as conquistas da humanidade, mas não se orgulhava de ser humano. Achava que a natureza humana havia perdido a beleza em algum lugar remoto e que o caminho era sem volta. Era como se fosse uma peça de um quebra-cabeça que estava na caixa de outro: não se encaixava de jeito nenhum. Achava então que a única solução era se retirar, e era isso que estava a ponto de fazer agora, já no terraço do prédio.
Chegou de mansinho até a borda, de onde dava para ver toda a rua abaixo. O prédio tinha dezoito andares e tinha sido abandonado antes mesmo de ser ocupado, por conta de irregularidades na construção. Apesar de abandonado, não era ocupado por ninguém – pelo menos não durante o dia. Fincou os dois pés bem na beirada e olhou com decisão para baixo. O que viu então o surpreendeu e o maravilhou de um jeito que nunca havia ocorrido antes.
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