25 de jul. de 2007

Da Série "textos que gostaria de ter escrito"

Coluna do Juca Kfouri de segunda-feira, na Folha de São Paulo:


PEGUE-SE QUALQUER exemplo, mas fiquemos com os mais recentes.

No esporte, para começar.

O milésimo de Romário é um bom caso.

O Pan-2007, outro.

Ora, todos sabemos que o Baixinho, fabuloso, maior jogador que uma grande área já viu, criou um objetivo para ele mesmo e todos entraram na festa. Viva!

Mentira inofensiva. Mas mentira. Mentirinha, digamos.

Com o Pan é mais grave, pelo uso do dinheiro público sem a menor cerimônia, um dinheiro que os passageiros que cruzam o país pelos ares agradeceriam se o vissem mais bem gasto.

E aí a falsidade é grave, porque mata.

Em torno do Pan, a omissão é medalha de diamantes.

Thiago Pereira, que é um nadador digno de todo respeito e não tem a menor culpa do que se omite, é tratado como quem superou Mark Spitz.

E, friamente, é verdade.

Mas meia verdade, muitas vezes pior que a mentira pura, por mais difícil de ser desmascarada.

Ora, Spitz, ao ganhar cinco ouros no Pan de Winnipeg, em 1967, simplesmente bateu três recordes mundiais, como bateu outros sete ao ganhar mais sete medalhas de ouro em Munique, nos Jogos Olímpicos de 1972.

Compará-lo a Pereira não honra nenhum dos dois.

Fiquemos por aqui, para falar do que é mais chocante, porque sempre com a cumplicidade da mídia.

A tragédia da TAM, que obscureceu o Pan, é rica em ensinamentos.

Começou não é de hoje, com o escândalo do Sivam, no governo anterior, e continuou impávida e colossal de lá para cá.

Uma frase debochada e ultrajante da ministra do Turismo, um gesto raivoso e moralmente pornográfico do assessor presidencial, um pronunciamento vazio e perplexo do presidente que nunca havia visto uma sucessão de acontecimentos tão caóticos nos aeroportos nacionais e pronto!

Tudo continua como antes, a não ser, é claro, para quem morreu e para quem ficou por aqui, na saudade.

Ora, nem Romário é um artilheiro comparável a Pelé nem Pereira é o novo Spitz nem este governo é mais ou menos culpado que o anterior.

Somos todos responsáveis, ou quase todos, que continuamos a voar como voamos, a votar como votamos, a festejar como festejamos e a reclamar mais dos que são rigorosos do que daqueles que são complacentes.

Dar ao Pan-2007 sua verdadeira dimensão é, para muitos, sintoma ou de bairrismo ou de mau humor.

E a crise aérea vira exploração política.

Mas o que se vê na TV no Pan, e o que se viu e ainda se verá na TV sobre o avião da TAM, é de dar vergonha de como se faz jornalismo/sensacionalismo no Brasil.

O ufanismo sem limites e a demagogia sentimentalóide não nos levarão a lugar algum, a não ser neste em que estamos, do caos, da falta de perspectiva e da acomodação cúmplice e criminosa.

Os resultados superdimensionados do Pan-2007 inevitavelmente se transformarão em frustração quando Pequim chegar, no ano que vem.

Ou alguém acredita mesmo que o Brasil superou o Canadá, que é mais saudável e pratica mais esporte que o país norte-americano?

Brasileiro com muito orgulho?

Quadro de medalhas: 200 mortos.

3 comentários:

Editor disse...

Romário > Pan \o/

Thiago F.B disse...

PQP!!!
cara...afude...verdadeiro...
sem mais à declarar...
abraço..Falooooow.

luciano disse...

Véio, curti muito o texto. Disse tudo. Mas uma coisa que está me incomodando bastante: parece que o problema estrutural do país é o caos aéreo. Me incomoda pq parece ser problema do momento, que gera notícia pra globo e que serve de meio para meter pau no Lula. Não que seja defensor do Lula ou que não esteja embobecido com a situação aérea. Mas se a gente parar pra pensar, isso é quase nada. Quanta gente morrendo de fome e frio por aí; quanta gente trabalhando em situações muito precárias e exploratórias; a situação rural progressivamente pior, e por aí vai. E o que aparece na tv? Caos aéreo, MST invasor de terras e comunidades indígenas e quilombolas como perturbadoras do meio ambiente. Não que todos os jornalistas sejam assim. Há jornalistas globais bem responsáveis. Mas e a grande maioria? Constroem a imagem de um país na qual o grande problema é aquele vivido pelas classes média e alta. O povo, o povo tem o pan e o Romário pra se divertir e esqecer, hehehehe.
abração

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