28 de ago. de 2007

INLAND EMPIRE

O Cinema, assim como outras formas de arte, tem às vezes uma particularidade: para apreciar certas obras é necessário prevenir-se. No caso específico do Cinema, "prevenir-se" pode dizer respeito a procurar informações sobre determinados diretores que fazem o chamado "filme de autor*". Definitivamente, David Lynch é esse tipo de diretor. Fazendo há muito tempo filmes considerados por muitos sem pé nem cabeça, surreais ou outros adjetivos do gênero, Lynch conquistou o seu lugar na história do Cinema graças a obras-primas como Estrada Perdida e Veludo Azul, que numa primeira avaliação são exatamente isso - sem pé nem cabeça, surreais, etc.. Mesmo quando trata-se de filmes "normais" do ponto de vista narrativo, o diretor mostra toda a sua técnica apurada - vide História Real e Homem-Elefante. Enfim, ao ver um filme do cara é preciso saber de antemão o que você pode encontrar ou provavelmente o espectador sairá frustrado da sessão.

O caso é o seguinte: nos últimos dez anos, Lynch havia lançado três filmes, sendo que apenas um deles obedecia a uma estrutura narrativa mais, digamos, convencional (História Real). Os outros dois (Estrada Perdida e Cidade dos Sonhos) subvertiam por completo qualquer ordem narrativa pré-estabelecida que serve para facilitar o espectador; contando com flashblacks - muitos sem qualquer aviso -, sonhos, delírios e cenas fora de ordem cronológica, eles são um verdadeiro exercício para quem assiste. Obviamente, são filmes que contaram, em suas sessões nos cinemas, com deboches e vaias de muitos. Em grande parte isso deve-se a uma certa "acomodação" dos espectadores em relação ao ato de refletir sobre um filme; atualmente a maioria das produções - principalmente em Hollywood - são levadas às telas bem mastigadas, com tramas auto-explicativas e que nos respondem tudo. Quando temos um filme diferente, normalmente ele é escanteado pelo grande público.

Mas o ponto em que quero chegar - e vou chegar antes que me perca - é que os filmes de David Lynch, por mais surrealistas que possam parecer, contam uma história sim, desde que se consiga "decifrar" a trama. A maior herança do surrealismo existente na sua obra é, sem sombra de dúvida, o uso recorrente de conceitos da psicologia, predominantemente a junguiana. O único problema é que é realmente muito difícil conseguir saber exatamente o que o diretor quis dizer com cada elemento colocado na tela - o que não deixa de ser fascinante, forçando um espectador mais atento a assistir o filme mais uma vez.

Bom, toda essa longa introdução serviu para aproximá-los do universo insano do cara e alertá-los: se vocês assistirem INLAND EMPIRE algum dia, tenham em mente que parece que David Lynch achou que os seus dois filmes anteriores "difíceis" estavam muito fáceis, e decidiu complicar de vez aqui.

A trama principal é a seguinte: Nikki Grace (Laura Dern) é uma atriz que foi selecionada para fazer um filme sobre o envolvimento extra-conjugal de uma mulher casada com um rapaz casado. Posteriormente, ela descobre que o filme na verdade é um remake e está amaldiçoado por que o filme original nunca foi finalizado, já que seus atores principais foram assassinados. Enquanto isso, ela parece se envolver cada vez mais com Devon Berk, (Justin Theroux) seu par no filme. O problema é que ela é casada com um cara muito ciumento e violento, e sabemos disso através de pequenas pistas dadas de modo crescente até o momento em que o marido ameaça claramente Devon. Aos poucos, Nikki vai vendo a história da sua vida se misturar à história do filme, e não sabe mais diferenciar o real do imaginário.

Enquanto isso, somos bombardeados por cenas aparentemente sem sentido entre si, contando com pelo menos mais três tramas: a de Susan Blue (de novo Laura Dern) à procura de Billy Side (de novo Justin Theroux), a de um bando de poloneses que fazem e falam coisas sem sentido e a de um programa baseado em três pessoas com cabeças de coelho reunidas numa sala, que falam coisas desconexas enquanto escutamos aquelas risadas típicas de uma sitcom - e são assistidos por uma das polonesas. A inter

Confuso, né? Mas era isso aí que o tio Lynch queria fazer, e mais uma vez ele nos faz embarcar em uma viagem - em todos os sentidos - para dentro dos porões da mente humana, em um filme em que nada é o que parece e que, mesmo que não se entenda nada dele em uma primeira olhada, não há como sair sem sentir algo - normalmente, inquietação. E o diretor não provoca esse sentimento com imagens chocantes ou grotescas (vide o péssimo Albergue e terá um péssimo exemplo desse recurso), mas através de uma sucessão de imagens que deixam quem está assistindo com dois insistentes e constantes pensamentos na sua cabeça: "ah, agora a resposta de tudo vai aparecer e tudo vai ficar claro" e "meu Deus, mas o que está acontecendo?". Em certo momento do filme, a personagem de Laura Dern fala "Eu não o que veio antes ou depois. Não consigo distinguir o ontem do amanhã e isso está fodendo com a minha cabeça". Essa frase pode ser dita por qualquer um que estiver assistindo a película naquele momento, e é exatamente isso que o diretor quer da gente. O problema é que o filme conta com quase três horas de duração e, para um bom entendimento da obra, deveria ser visto mais de uma vez - tarefa ingrata para muitos, convenhamos.

Se Estrada Perdida podia ser definido como um road movie de suspense, com uma história de assassinato passional e várias personalidades, e Cidade dos Sonhos era um suspense dramático que contava a triste trajetória de uma trágica protagonista, INLAND EMPIRE é um filme de suspense com toques de horror sugerido - aquele mesmo com que O Bebê de Rosemary fez escola. Duvido assistir sem ficar agoniado pelo menos uma vez com seu tom claustrofóbico.

Quanto aos aspectos técnicos, o filme apresenta algumas irregularidades proporcionais: se é escuro e utiliza-se de jogos com luz e sombra para criar o clima que pretende, o uso da câmera digital com closes a todo o momento e enquadramentos estranhos faz com que pareça às vezes um filme amador. Na verdade, Lynch experimenta a toda hora no filme, e experimentar para ele serve também para aumentar a nossa sensação incômoda - somos incomodados pelo jeito e pela forma com que a trama é contada.

Contando com uma performance memorável de Laura Dern - sua caracterização mostra bem todo o processo de esfacelamento de Nikki - INLAND EMPIRE é, assim como quase todos os filmes do diretor, um exercício para poucos, infelizmente. Digo "infelizmente" por que seria bom se muitas pessoas o assistissem e discutissem a sua versão pessoal para a história, buscando um entendimento próprio. A tanto ainda a ser dito sobre o filme, mas vou parar por aqui. De longo, basta o próprio INLAND EMPIRE.

* Segundo Pedro Guimarães, "a categoria 'filme de autor' surgiu para nomear as obras audiovisuais feitas com extrema liberdade por parte do seu diretor e onde não existem (ou não deveriam existir) concessões estéticas, de conteúdo ou mercadológicas. Em tese, um cinema mais livre, sem amarras, sem compromisso com os princípios de narração do cinema clássico no que se refere à montagem, escala de planos, ao ritmo, à elaboração dos personagens, às situações do roteiro etc".

FICHA TÉCNICA

INLAND EMPIRE - 2006 - Nota A
Direção e Roteiro: David Lynch. Com Laura Dern, Justin Theroux, Jeremy Irons, Harry Dean Staton e Diane Ladd.

3 comentários:

André disse...

Preciso assistir Cidade dos Sonhos de novo. Vi só uma vez e muita coisa ainda não ficou clara.

Paula Carolinny disse...

ola, achei vc no blog do medina.
estou a procura de nossas amizades por blog, meu blog é alog muito relativo mais escrevo mesmo o que vem na cabeça!

se puder passa la, e posso linkar vc!

bju!

Anônimo disse...

ah, valeu pelo o "escrever bem"
podemos dizer que faço pq gosto, e qd a raiva bate agora nao sei pq!

nao consigo escrever qd esta tudo ROSA!

rs

vou linkar vc no meu blog e eu tambem sempre quando ser passo por aqui!

abcs,
linny

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