31 de jul. de 2007

Músicas do Mês

Manic Street Preachers - Your Love Alone Is Not Enough - Para quem nunca ouviu falar dos Manic, esses galeses fizeram sucesso radiofônico no fim dos anos 90 com If You Tolerate This Then Your Children Will Be Next (sim, eles gostam de nomes grandes), apesar do primeiro disco ser de 1992. Com letras que abordam na sua maioria questões políticas e sociais de um ponto de vista quase socialista, a banda foi notícia no mundo em 1995, quando perdeu - literalmente - seu guitarrista. Digo literalmente porque em 1º de fevereiro daquele ano ele simplesmente desapareceu da face da Terra. Seu carro foi encontrado uma semana depois num local conhecido como palco de suicídios, mas seu corpo jamais foi localizado. Até hoje surgem relatos de pessoas que juram ter visto o cara por aí, o que nunca foi provado. No caso da música do mês, Your Love Alone... é o primeiro single do oitavo disco dos caras (Send Away the Tigers), lançado nesse ano, e conta com uma melodia contagiante. Não bastasse isso, ainda tem a participação super especial da doce voz da vocalista do The Cardigans, Nina Persson, que dá um toque delicioso à canção. Riffs fortes e letra vigorosa completam o time de Your Love Alone is Not Enough.

Coldplay - Trouble - Iniciando com um pianinho muito doce, Trouble é uma música que vai crescendo ao longo de sua execução, chegando ao ápice no refrão, quando todos os instrumentos convergem da maneira harmoniosa que a banda liderada por Chris Martin se acostumou a fazer nos seus discos. Música totalmente excelente para se ouvir comendo founde e tomando vinho com uma ótima companhia, enquanto chove lá fora. :)

30 de jul. de 2007

Letras

Letras de música são esquisitas. Analisadas fora do contexto original (ou seja, longe da música), elas às vezes perdem sua força, às vezes ganham outros contornos, mas normalmente ficam diferentes de uma maneira ou de outra. Quantas vezes escutamos outra versão de uma canção que nunca nos chamou a atenção e, de repente, ao escutar aquela letra unida a uma outra melodia ou interpretada por outra voz, ela nos tocou de uma maneira única? E quando escutamos uma música cuja letra até já sabemos de cor, mas que nunca foi nada de mais, só que agora em um momento especial, em que as palavras cantadas dizem exatamente o que estamos sentindo ou o que queremos dizer?

Um outro aspecto é a letra que não faz sentido em si mesma. Explico: penso que toda a forma de expressão (música, filme, poesia, etc.) tem que possuir pelo menos uma lógica interna. Ferir essa lógica é o maior pecado que um autor pode cometer. Exemplos famosos não faltam: Marília de Dirceu, a musa inspiradora de Tomás Antônio de Gonzaga, ora é morena, ora é loira; no filme Dejà Vu, toda a lógica interna do filme vai para o espaço à medida em que ela é mostrada ao espectador. E na música, bem, na música, os exemplos são caudalosos. Fiquem com dois:

26 de jul. de 2007

Convidado

Pessoal, hoje vamos ter um convidado aqui no Moldura: Nuwanda Belial. Velho conhecido meu, Nuwanda é um sujeito legal e um grande escritor. A maior parte de seus escritos é composta por poemas, e como ele não os mostra pra ninguém - tem receio de mostrá-los, coisas da timidez -, resolvi Eu Mesmo mostrá-los, então. Segue uma amostra pra vocês:

Efemeridade
Nuwanda Belial

Para que pegar um cachorro de estimação?
Para que ter alguém com quem contar?
Se o cachorro vai morrer
Se a pessoa vai partir
E a falta vai ficar

Alguém dirá que é pelo prazer do durante
Mas a dor do depois não é senhora absoluta,
Se o que sobra do amor é a sua ausência?

Qual a saída, então?
Talvez seja não pensar nisso
Não escrever sobre isso
E, por via das dúvidas,
Pegar uma tartaruga de estimação...

25 de jul. de 2007

Como terminar com sua namorada

Vídeo simplesmente sensacional, que fala muito mais do que "apenas" sobre relacionamentos, mas sobre a eterna insatisfação humana:



Retirado de Fatos Inúteis.

Repostando...

Originalmente postado em 27/01/2006, aqui.

Lendas Urbanas

É muito fácil criar uma lenda urbana. Existem várias por aí, espalhadas como o vírus da gripe no inverno. Algumas são famosas, outras nem tanto, mas todas têm algo em comum: mexem com o imaginário coletivo, forçando aquela frase na cabeça das pessoas: "Será que é? É, poderia ser." Em Porto Alegre e arredores tem aquela lenda das plaquinhas "Conserto Gaita", que seria um ponto de prostituição ou algo pior, tem a das plaquinhas "Jesus vai voltar", que seriam escritas por alienígenas ou sei lá quem, etc. Enfim, lenda urbana é o que não falta por aí. Mas, como eu disse antes, é fácil criar uma. Mãos à obra, então.

Todo mundo que pega ônibus deve ter visto pelo menos uma vez na vida um daqueles meninos com uma caixa de torrones ou de balas de goma na mão, pedindo para comprar um e ajudá-los, certo? Para quem já viu mais de um desses meninos vem a pergunta: você já notou que eles falam A MESMA COISA DO MESMO JEITO? Quero dizer, eles falam com um "sotaque" que só eles têm, tipo "Peeessoaaaal, estooou aquiiii paaaara pediiiir...". E mais, eles falam exatamente as mesmas palavras!! Caso queiram uma prova, analisem o momento em que eles falam que poderiam estar pedindo ou roubando: "eu podia estar pedindo OU ATÉ CERTAMENTE roubando". Eles enfiam este "ou até certamente", que não é nada usual, no meio da frase, SEMPRE!!! Bem, esses são os fatos. Vamos agora às possibilidades de lenda urbana que podem existir daí:

1 - Os meninos são, na verdade, robôs em fase de testes. Um laboratório norte-coreano (claro!) desenvolveu protótipos para utilizá-los posteriormente em uma guerra contra os EUA e está testando-os aqui no Brasil, de maneira discreta. Os testes servem principalmente para conferir a durabilidade e obediência das máquinas. Isso explicaria o português estranho (que afinal de contas foi programado por um coreano!) e o fato deles falarem sempre a mesma coisa. O pouco dinheiro arrecadado serviria para amenizar os custos do frete dos robôs - um frete Coréia do Norte/Brasil custa uma fortuna!

2 - Estes vendedores foram todos recrutados a partir de um anúncio de jornal, daqueles de uma "empresa bem estabelecida no mercado" que procurava "jovens com iniciativa" para "trabalho com vendas". Trata-se de uma fábrica de fundo de quintal que fabrica torrones e balas de goma em grande escala e que hoje já conta com mais de cem vendedores espalhados pela região metropolitana. Os vendedores recebem treinamento especializado ("agora todo mundo, repita comigo: 'eu podia estar pedindo ou até certamente roubando'") e ganham por comissão. A vantagem para a empresa é que ela não precisa pagar vale-transporte para eles, já que todos são incentivados a trocar as moedas que ganham dos passageiros com o cobrador, ajudando-o no troco e ganhando em troca o direito de passar por baixo na roleta. Por tudo isso, a empresa já ganhou alguns prêmios de responsabilidade social.

3 - Todos os jovens foram vítimas de abdução por alienígenas. Os extraterrestres gostam de se divertir, e sua maior diversão é ver humanos fazendo coisas sem sentido algum. Esses ETs são os responsáveis pelo programa da Luciana Gimenez na Rede TV! e por alguns telejornais e novelas. Bem, quanto aos jovens, todos tiveram uma sonda instalada (não me pergunte onde) e passaram a ter uma única motivação na vida: vender torrones e balas de goma dentro de meios de transporte em massa. A dificuldade na fala estaria diretamente associada com o desconforto da sonda. Então, eles juntam um dinheiro, vão até uma doceria, compram uma caixa de torrones ou de balas de goma e a vendem nos ônibus, com uma margem de lucro pequena. Com o dinheiro eles compram outra caixa e com o lucro compram rúcula, único alimento que lhes é permitido comer (por que você acha que ainda vendem rúcula por aí? É porque eles compram!!!). Os ETs observam tudo lá de cima (ou de baixo, depende do ponto de vista) e se mijam de tanto rir.

4 - Todos eles foram retirados de orfanatos pelo maligno Dr. Frankenhartzschütz e forçados a fazer esse trabalho escravo sob ameaça de terem seus rins retirados e vendidos no Marrocos. O insano vilão tem agentes espalhados por todos os ônibus; ao vê-los, os jovens vendedores ficam com tanto medo que têm que se concentrar para lembrar do texto que foi memorizado em um dos campos de concentração do cruel doutor. Por isso aquela fala toda errada. Assim, Frankenhartzschütz consegue fazer com que as ações da sua empresa, a Torrones & Balas de Goma Ltda., se mantenham há mais de dez anos como uma das mais altas do mercado, vencendo consecutivamente todos os Top of Mind na categoria "doces".

Da Série "textos que gostaria de ter escrito"

Coluna do Juca Kfouri de segunda-feira, na Folha de São Paulo:


PEGUE-SE QUALQUER exemplo, mas fiquemos com os mais recentes.

No esporte, para começar.

O milésimo de Romário é um bom caso.

O Pan-2007, outro.

Ora, todos sabemos que o Baixinho, fabuloso, maior jogador que uma grande área já viu, criou um objetivo para ele mesmo e todos entraram na festa. Viva!

Mentira inofensiva. Mas mentira. Mentirinha, digamos.

Com o Pan é mais grave, pelo uso do dinheiro público sem a menor cerimônia, um dinheiro que os passageiros que cruzam o país pelos ares agradeceriam se o vissem mais bem gasto.

E aí a falsidade é grave, porque mata.

Em torno do Pan, a omissão é medalha de diamantes.

Thiago Pereira, que é um nadador digno de todo respeito e não tem a menor culpa do que se omite, é tratado como quem superou Mark Spitz.

E, friamente, é verdade.

Mas meia verdade, muitas vezes pior que a mentira pura, por mais difícil de ser desmascarada.

Ora, Spitz, ao ganhar cinco ouros no Pan de Winnipeg, em 1967, simplesmente bateu três recordes mundiais, como bateu outros sete ao ganhar mais sete medalhas de ouro em Munique, nos Jogos Olímpicos de 1972.

Compará-lo a Pereira não honra nenhum dos dois.

Fiquemos por aqui, para falar do que é mais chocante, porque sempre com a cumplicidade da mídia.

A tragédia da TAM, que obscureceu o Pan, é rica em ensinamentos.

Começou não é de hoje, com o escândalo do Sivam, no governo anterior, e continuou impávida e colossal de lá para cá.

Uma frase debochada e ultrajante da ministra do Turismo, um gesto raivoso e moralmente pornográfico do assessor presidencial, um pronunciamento vazio e perplexo do presidente que nunca havia visto uma sucessão de acontecimentos tão caóticos nos aeroportos nacionais e pronto!

Tudo continua como antes, a não ser, é claro, para quem morreu e para quem ficou por aqui, na saudade.

Ora, nem Romário é um artilheiro comparável a Pelé nem Pereira é o novo Spitz nem este governo é mais ou menos culpado que o anterior.

Somos todos responsáveis, ou quase todos, que continuamos a voar como voamos, a votar como votamos, a festejar como festejamos e a reclamar mais dos que são rigorosos do que daqueles que são complacentes.

Dar ao Pan-2007 sua verdadeira dimensão é, para muitos, sintoma ou de bairrismo ou de mau humor.

E a crise aérea vira exploração política.

Mas o que se vê na TV no Pan, e o que se viu e ainda se verá na TV sobre o avião da TAM, é de dar vergonha de como se faz jornalismo/sensacionalismo no Brasil.

O ufanismo sem limites e a demagogia sentimentalóide não nos levarão a lugar algum, a não ser neste em que estamos, do caos, da falta de perspectiva e da acomodação cúmplice e criminosa.

Os resultados superdimensionados do Pan-2007 inevitavelmente se transformarão em frustração quando Pequim chegar, no ano que vem.

Ou alguém acredita mesmo que o Brasil superou o Canadá, que é mais saudável e pratica mais esporte que o país norte-americano?

Brasileiro com muito orgulho?

Quadro de medalhas: 200 mortos.

24 de jul. de 2007

Cinema "engrajado"

Os filmes de Jorge Furtado sempre foram marcados por elementos metaligüísticos - inclusive alguns de seus curtas. Porém, em Saneamento Básico, o diretor foi além e criou um filme que é, do início ao fim, recheado de interessantes metalinguagens que discutem, entre outras coisas, o papel do Cinema, o sistema de captação de recursos no Brasil e o próprio método cinematográfico. Tudo isso dentro de uma comédia eficiente do ponto de vista narrativo e que - vejam só! - nos faz rir.

Saneamento Básico conta a história da construção de uma fossa para o esgoto de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul que só seria possível se seus moradores conseguissem fazer um filme de dez minutos. Isso porque não havia mais verbas para saneamento básico para o município naquele ano, apenas um dinheiro federal para um concurso de vídeos cuja premiação serviria para a tão sonhada fossa. Então, alguns moradores (os casais Fernanda Torres e Wagner Moura e Camila Pitanga e Bruno Garcia, mais Paulo José e posteriormente Lázaro Ramos) decidem fazer o tal "vídeo de ficção", que por motivos "dicionáricos" passa a ser um filme de monstro - o "Monstro da Fossa".

As atuações estão muito boas, particularmente a química Torres-Moura. O único porém fica para o fato de que quem conhece o pessoal da "sera gaúcha" vai se decepcionar um pouco com a tentativa de Paulo José e Tonico Pereira se passarem por gringos. Mas o maior destaque do filme realmente é a metalinguagem. Se dessa vez o diretor - e também roteirista - não faz uso de instrumentos narrativos visuais diferentes, presente em outros filmes (quadrinhos, fotos ou videogame, já utilizados em O Homem que Copiava e Meu Tio Matou um Cara), aqui ele usa e abusa do elemento metalingüístico sem complicar o roteiro.

Não vou falar de todas as tiradas - não quero entregar a história -, mas tem algumas que valem a pena serem citadas:

Como todo filme brasileiro, ele abre com aquela tela preta cheia de patrocínios e incentivos fiscais. É aí que começam as tiradas de Furtado: escutamos a voz de Fernanda Torres conversando conosco, pedindo para sentarmos, perguntando se deveríamos esperar pelas pessoas atrasadas ou não. Parece uma bela estratégia do diretor para passarmos o tempo enquanto aguardamos aqueles obrigatórios e chatos créditos iniciais, mas quando finalmente a primeira imagem do filme surge na tela, somos surpreendidos pelo fato de que não era a atriz falando conosco, mas a sua personagem dialogando com os moradores da cidade.

Durante a pré-produção e a produção do "filme do monstro da fossa", somos levados por Furtado a acompanhar alguns processos nos quais os realizadores têm que passar, que talvez nem passem pela cabeça da maioria dos espectadores; entre decupagem, captação de recursos, montagem e edição, somos quase que levados pela mão em um mini-curso de "como fazer um filme". É claro que, pelo resultado apresentado, o curso poderia ser de "como não fazer um filme", mas o que importa é que tudo isso é colocado no roteiro de maneira orgânica, em favor da história e de forma extremamente engraçada.

"O melhor de se filmar é bobagem"
. Com essa frase, dita no meio do filme pelo personagem de Bruno Garcia, Jorge Furtado faz uso de um instrumento interessante, aparentemente paradoxal, para nos dizer que o Cinema não precisa ser necessariamente engajado nem se julgar importante. E aí entra o paradoxo, pois essa é uma mensagem extremamente engajada, já que aqui Furtado faz uma bela defesa do Cinema de entretenimento, hoje em dia tão associado a filme ruim. "Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa", já diria o poeta. Existe muito filme "sério" ruim e muito filme de entretenimento de qualidade; uma coisa não anula a outra, e é exatamente isso que Furtado defende - aliás, é exatamente isso que ele faz e vem fazendo há tempos: Cinema de entretenimento e de qualidade. E essa discussão adquire um caráter "engajado" justamente pelo momento em que o Cinema brasileiro passa atualmente: estamos aparentemente divididos entre o "Cinema de autor" e o "Cinema Mainstream", e os dois seriam como água e óleo. Cinema no Brasil que não denunciar alguma chaga do país - seja ela a pobreza do Nordeste, a violência da ditadura, a injustiça social, etc. - é considerado escapismo e provavelmente não receba verbas de incentivo à cultura. Dessa forma, o filme de gênero tem sido relegado a um segundo plano - quantos filmes de ação ou de ficção científica bons (pra citar dois gêneros) foram feitos no país nos últimos anos? Aliás, quantos filmes de humor bons foram feitos nos últimos anos? Furtado não defende aqui que o Cinema não possa ser usado como denúncia, mas que ele é não é só isso. E Saneamento Básico, além de ser a voz que nos diz isso, ainda se revela um ótimo exemplo da sua própria mensagem.

A própria trajetória da personagem de Fernanda Torres, que começa engajada socialmente e depois faz de tudo para que o seu filme venha a se tornar um sucesso, funciona como mais uma metalinguagem, que nos mostra que às vezes um suposto filme engajado pode ter sido filmado com motivações puramente comerciais. E, visto de modo inverso, que um filme aparentemente "comercial", "raso" e "bobo" como Saneamento Básico pode gerar discussões sérias acerca de vários temas do Cinema - e ainda por cima divertir.

FICHA TÉCNICA

Saneamento Básico, o Filme - 2007 - Nota A
Direção e Roteiro: Jorge Furtado. Com: Fernanda Torres, Wagner Moura, Camila Pitanga, Bruno Garcia, Lázaro Ramos, Janaína Kremer, Tonico Pereira, Paulo José, Sérgio Lulkin, Zéu Brito, Lúcio Mauro Filho.

C***lho!!!

Alberto Gilardino, jogador italiano, simulando um pênalti. Melhor do que ele só o Ricardo Macchi fazendo o cigano Igor em Explode Coração.

23 de jul. de 2007

Frase do dia

"Egoísta é todo mundo que não quer viver para você".
André Dahmer

18 de jul. de 2007

Vencer ou jogar bem: eis a questão

Fazia tempo que eu não escrevia sobre futebol por aqui. Aliás, desde que a Libertadores acabou. Minha postagem é influenciada por esta aqui do Cataclisma 14, e se baseia numa pergunta recorrente no meio futebolístico, mas que vez por outra vem à tona de maneira mais forte: o que é melhor: vencer mesmo jogando mal, ou jogar bem, mas perder? Graças à tosca campanha da Seleção Brasileira na última Copa América e que culminou na conquista do título com direito a chocolate na Argentina (3 x 0, para quem estava em outro planeta nas últimas semanas), esse foi o assunto em tudo quanto era mesa de bar. Afinal, como uma seleção como aquela, jogando feio e com três volantes e o Julio Baptista de meia armador, poderia ter alcançado tamanho resultado?

Já vou adiantando que acredito que o resultado é o que vale, desde que se respeite as regras - não gosto dessa coisa de "com gol irregular é melhor", muito menos de esquemas para arranjar resultados. Afinal, quem ganha a partida é quem faz mais gols do que leva, e não quem joga melhor ou chuta mais bolas na trave. Não gosto de assistir um jogo e ouvir o comentarista falar que o resultado não é justo. A não ser quando o resultado é um roubo, ele é sempre justo - quem foi mais competente em fazer gols e não levar é que merece vencer, ora bolas!

Tudo bem que entre as seleções inesquecíveis de todos os tempos existam várias que nunca ganharam nada, mas eu me pergunto se quem jogou por elas não preferia ter ganho suas competições... Holanda em 1974-1978 e em 1994-1998, Hungria em 1954, Brasil em 1982 e 1986, Argentina desde 1994, e muitas outras, todas essas seleções passaram em branco, por melhor que fossem. Perderam para outras, e por isso não foram as melhores naquelas competições. Porém, parece que foram.

Isso se deve, em grande parte, ao fato de que a memória que foi construída em torno delas as fez de tal maneira que parece que foi uma baita injustiça o fato de não terem ganho seus títulos merecidos. Ora, zebra até pode existir em um jogo específico, mas chamar de zebra a conquista de um torneio é meio demais. Recentemente, duas "zebras" venceram competições super importantes no mundo, e as uso como exemplo de que uma conquista de campeonato não pode ser encarada assim:

- A Grécia conquistou a Eurocopa 2004 ao vencer os donos da casa e amplos favoritos (Portugal), não sem antes eliminar as favoritíssimas República Tcheca e França, empatar com a Espanha e de já ter vencido na primeira fase a seleção portuguesa. Mesmo assim, foi tachada de zebra por todo mundo.

- O time colombiano Once Caldas venceu a Taça Libertadores da América, maior competição entre times de futebol do lado de cá do globo, também em 2004. Sua campanha não poderia ser mais grandiosa: com 13 pontos ganhos, foi o primeiro colocado no seu grupo, que tinha o argentino Vélez Sarsfield. Depois, foi eliminando seus fortíssimos adversários, um a um, enquanto ninguém acreditava no que via. Entre os eliminados estão o Santos, o São Paulo e o Boca Juniors, este na final. Outra conquista que vai entrar para a história como uma abominação da natureza, uma injustiça, etc. e tal.

Jogos são ganhos dentro de campo. Se ter o melhor time no papel fosse garantia de vitória, não precisaria haver partida alguma. Se jogar bonito já valesse a vitória, jogadores como Denílson e Kerlon (o homem-foca do Cruzeiro, lembram?) seriam aclamados para sempre e cada firula valeria no critério de desempate. Uma das graças do futebol é a sua total imprevisibilidade, que em grande parte deve-se menos ao azar e mais a uma estratégia apurada. Um time que reconhece suas limitações e joga para conseguir um resultado é muito mais perigoso do que um recheado de estrelas. É claro que jogar bonito é bom, mas vencer, ah, vencer é muito melhor!

13 de jul. de 2007

Sugestãs

Se vocês querem ler dois textos agradáveis e que contam com a concordância deste que vos escreve, confiram essas sugestãs:


- Observações do mestre André Dahmer sobre o Pan e o caso dos grafites do Cauê/Malvadão. Para quem não está ligado, na semana passada grafitaram no Muro do Maracanã, no Rio de Janeiro, a seguinte figurinha, que seria uma "homenagem" ao mascote do Pan, que por coincidência é muito parecido com um dos personagens do Dahmer:

Não tem link direto, só esse aqui. Leiam o post "Quando começaremos a fazer as perguntas certas?".

- Um texto sem sentido com todo o sentido do mundo do Luciano. Resumidamente, é mais ou menos assim: se compreendemos que é preciso acreditar em alguma coisa para ter um chão, mas não acreditamos em nada do que nos é oferecido, o que fazer? Afinal, nos faltaria um sentido para a vida, já que não sobra nada - ou muito pouco. Isso me fez lembrar duas citações de Nietzsche que estão no livro "Quando Nietzsche Chorou", em que ele diz primeiro que a verdadeira questão para um pensador é "quanta verdade consigo suportar?"; depois, aquela em que ele fala que "o desespero é o preço pago pela autoconsciência. Olhe profundamente para dentro da vida e encontrará sempre o desespero". No meu caso particular, confesso que nos últimos tempos tenho acreditado em coisas que havia deixado de acreditar, mas isso não tira nem um pouco o impacto desse texto.

12 de jul. de 2007

Conta comigo

Os caminhos antigos, por piores que sejam,
por mais cruéis que sejam, por mais cicatrizes que deixem,
são ao menos seguros; temos um chão para pisar.
Já decoramos o trajeto, de tanto remoer esses malditos caminhos;
Assim, ficamos ao menos tranqüilos ao escolher permanecer neles.
É como se nos deixássemos levar por uma inércia
que nos vai matando aos poucos a esperança de qualquer novidade.

Ao ver um novo caminho desvelar-se a sua frente, ficaste assustada;
afinal, o novo é sempre incerto;
o novo caminho a seguir não existe, temos que construí-lo.
A segurança do antigo, por pior que seja, nos parece melhor.
Quando caminhamos pelo novo, temos à frente um caminho invisível.
Continuar por ele demanda coragem, exige atenção e dedicação,
e nem sempre estamos preparados para isso.

Como tu, tenho agora um precipício a minha frente
e um caminho invisível a trilhar por sobre ele.
Só temos uma vida para viver;
enquanto remoemos caminhos ruins, mas "seguros",
perdemos a chance de entrar por novas
e excitantes trilhas, recheadas de surpresas.
Se quiseres alguém pra atravessar o caminho contigo, conta comigo.

Caralhos voadores

Fotografia tirada em uma parada de ônibus da Assis Brasil:

11 de jul. de 2007

Dinheiro e meio ambiente

Tem coisas que se interligam de maneira quase natural, e tem vezes que a gente consegue pegar um exemplo claríssimo para ilustras essas interligações. Um exemplo disso é a ligação cada vez maior entre futebol e dinheiro, muito bem exemplificada lá no Cataclisma 14. No meu caso, vou falar de uma outra ligação, aquela tensa que existe entre capital e meio ambiente. Todo mundo sabe que hoje em dia é o dinheiro quem manda. Ele passa por cima de todas as questões éticas, morais, religiosas e humanas possíveis em nome do lucro. Isso inclui o respeito ao meio ambiente - basta ver quem não quis assinar o Protocolo de Kioto, por exemplo.

Pois bem, feita essa introdução, vamos aos fatos. No início de maio, após um vasto estudo de impacto ambiental, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, através da Fepam, concluiu o mapa do zoneamento ambiental que era aguardado para que se soubesse se a Aracruz Celulose ganharia ou não a liberação das licenças para plantio de exóticas em solo gaúcho. A indústria de celulose não gostou nem um pouco do resultado do estudo que indicava que a metade sul gaúcha, principal alvo do plantio de eucaliptos, teria a área aprovada para plantio drasticamente limitada. Foram levados em conta para o estudo, entre outros aspectos, o respeito a áreas de proteção ambiental e o espaçamento mínimo obrigatório de rios, nascentes, etc.

Tal insulto custou caro: a então secretária da pasta, Vera Callegaro, foi demitida e substituída pelo procurador Carlos Otaviano Brenner de Moraes. Após um pedido da Aracruz para a revisão do estudo, já com secretário novo, o resultado não poderia ser outro: exatamente hoje a empresa anunciou ao governo do RS um investimento de US$ 2 bilhões no Estado, após não haver mais nenhum impedimento para ela. Citando o site do governo e grifando uma parte importante, "De acordo com Yeda Crusius, 'o empreendimento transforma todo o Rio Grande do Sul a partir da sua região Sul'."

O que se pode avaliar a partir disso? Ora, que havia um custo político e econômico muito grande, tão grande que foi maior do que a preocupação com o meio ambiente. Afinal, todo mundo sabe o que o PT pagou por ter mandado a Ford embora em 1999; caso acontecesse o mesmo à Aracruz, o frágil governo de Yeda Crusius sofreria eternamente com as críticas que se seguiriam. Agora, não. Com a vinda da empresa, "recursos serão empregados na produção de celulose, na construção de terminais hidroviários e na base florestal do Estado, com geração de 12,5 mil empregos temporários e 5 mil fixos. A nova planta de produção de celulose, já integrada à atual, em Guaiba, começa a operar em março de 2010" (Fonte: capa do site do governo do RS de hoje. Não tem link direto, foi mal aí).

Pode-se concluir que infelizmente o dinheiro fala mais alto, sempre. Afinal, basta ver o quanto a Aracruz investiu, junto com as outras duas maiores empresas de celulose (a Stora Enso e a Votorantim Celulose e Papel) nas últimas eleições aqui no estado: cerca de R$ 1,36 milhão para 75 candidatos a deputado e governador. Entre esses, a Aracruz conseguiu ajudar a eleger 21 deputados estaduais e 14 federais. Aí fica fácil, né?

Perguntinha para encerrar: o que você acha que é mais importante, o desenvolvimento rumo ao progresso ou a manutenção de normas, sejam elas ambientais, éticas, etc.?

10 de jul. de 2007

Esquerda e noção de humanidade

Recebi um e-mail do Rodrigo tempos atrás cujo título era "O que é ser de esquerda?". Tratava-se de excertos de uma reportagem da Caros Amigos em que várias personalidades de diferentes áreas eram entrevistadas, colhendo-se a opinião de cada um sobre o referido tema. Vários depoimentos depois, em vez de uma resposta definitiva, eu tinha uma pergunta específica: "hoje, o que é ser de esquerda?"

A pergunta é datada ("hoje"), porque antes do muro de Berlim cair era mais fácil de saber a resposta: quem era contra os princípios gerais do capitalismo era de esquerda e ponto final. Porém, a partir dos anos 80, assistimos um fenômeno no mundo das idéias que atingiu a todas as esferas do pensamento: uma ramificação das coisas. Isso já era uma tendência há algum tempo, mas foi realmente sentida de uns vinte e cinco anos pra cá.

Explico: antes do fim da URSS, parecia que todos os "de esquerda" lutavam pelo mesmo objetivo: la revolución - mesmo que não soubessem direito o que isso significasse. Mas, pelo menos, todos iam mais ou menos na mesma direção: homens, mulheres, negros, brancos... Com a "ramificação", cada grupo se isolou em nichos próprios, que normalmente têm lutas e conquistas particulares, sem articulação nenhuma com outros grupos. Temos hoje a luta das mulheres, a dos negros, a dos sem-terra, a dos atingidos por barragens, a dos com calos no dedinho do pé esquerdo, enfim, lutas particulares que têm interesses particulares e que parecem mais preocupados com seus devidos umbigos do que com uma noção de bem comum; parece que cada nicho tem suas próprias demandas, e que cada um lute por si.

Isso se deve, em grande parte, a uma mudança no próprio conceito de humanidade; principalmente a partir da Revolução Francesa, os seres humanos passam a ser vistos como seres que compartilham as mesmas características um do outro, ou seja, como seres a priori iguais. Essa idéia ia de encontro à noção de castas que perdurava até então, quando alguém que nascia camponês morria camponês e alguém que nascia nobre morria nobre - ou seja, os homens seriam naturalmente diferentes. Centenas de anos depois, graças principalmente a discrepâncias claras entre a teoria e a prática dos ideais igualitários (escravidão, submissão das mulheres, preconceitos contra homossexuais, etc.), iniciaram-se lutas particulares que se sobrepuseram a qualquer luta mais geral. Chegamos então aos dias de hoje, em que parece que alguém é primeiro "mulher" ou "branco" e depois é "humano", num claro embate com o pensamento iluminista.

Resumidamente, pode-se dizer que a esquerda encontra-se dividida hoje em dia, tão dividida que o seu próprio conceito tornou-se nebuloso; quem luta contra o sistema seria de esquerda, mas se eu luto a favor das cotas para me tornar um empresário, o que eu sou? Se, por outro lado, sou contra os direitos iguais entre homens e mulheres, mas acredito no socialismo (leiam os socialistas do século XIX e percebam que isso não é tão estranho assim), sou de esquerda? A questão que se coloca é que, principalmente após os anos 80, parece anacrônico falar em esquerda. Afinal, se estar contra o status quo é ser esquerdista, em certo sentido os governos brasileiro, boliviano e venezuelo são o quê?

Enfim, estamos em um tempo em que tudo parece misturado e em que as coisas se sobrepõem de maneira conveniente para quem já está estabelecido no poder. Infelizmente, esse parece ser um desafio com o qual a esquerda - seja lá ela quem for - não está preparada para enfrentar.

9 de jul. de 2007

Aforismo

Por tu ser quem és, eu quero ser quem sou.

6 de jul. de 2007

Rio 40 Graus

O vigia Rubineu Nobre, de 29 anos, foi morto por um policial no dia 10 de fevereiro passado, pouco depois da 1h30, no posto de combustíveis Eurogáz, Centro de Duque de Caxias. Rubineu e um amigo haviam ido até o local para abastecer o veículo, quando acabaram abordados pelos dois policiais que decidiram revistá-los.

Os PMs determinaram que os dois levantassem suas camisetas para verificarem se não estavam armados — e de fato não estavam. Como as imagens deixam claro, sem nenhum motivo aparente os policiais dão tapas na cara de Rubineu, que, inconformado, decide reagir.

Rubineu foi assassinado sem chances de defesa pelo cabo da Polícia Militar André Luiz da Fonseca. O que os policiais não sabiam era que todos os passos do crime foram filmados por câmeras de vigilância em um posto de gasolina. O cabo e soldado que estava com ele foram indiciados por homicídio duplamente qualificado e estão presos no Batalhão Especial Prisional da PM, em Benfica.

Leia a notícia aqui e veja o vídeo aqui.

Enquanto isso, no Rio Body Count, 1269 mortos e 802 feridos. Isso que nem contaram a morte de Rubineu Nobre...

País de Contrastes

Ladies and gentlemen, Allan Sieber.

4 de jul. de 2007

História Real

Já falei sobre isso, mas eu tenho sérias restrições em relação aos seres humanos de modo geral. Afinal, também sou um e sei de toda a minha capacidade - construtiva e destrutiva; sei de toda as maldades que eu poderia fazer - e que qualquer pessoa pode fazer -, mas que não faço por motivos próprios e pessoais. Portanto, quando eu testemunho algum ato bom de alguém, isso me deixa muito feliz. E quando acontece comigo, então, nem se fala. Por isso, compartilho com vocês uma experiência pessoal.

Na Páscoa eu fui pra Torres e comprei um MP3 player de 1 GB no camelódromo de lá - muito bom, por sinal. Depois de umas duas semanas, não tinha jeito de ligar a criatura. Como eu tinha três meses de garantia e ia assistir o Festival de Balonismo, que ia ser no fim de abril, esperei até lá para trocá-lo. Quando fui a Torres novamente, passei na mesma banca e troquei o aparelho por outro do mesmo modelo. Voltei para Porto Alegre e, duas semanas depois, o MP3 apresentou o mesmo problema...

Peguei o cartão da garantia que acompanhava o produto e que tinha um telefone de contato e liguei pra eles. Daí expliquei a situação e a mulher que me atendeu disse para eu mandar o aparelho por sedex que ela trocaria por outro de outra marca, para evitar problemas. Achei o atendimento muito bom - confesso que cheguei a ficar desconfiado de tamanha prontidão - e depois de uns dias de preguiça finalmente enviei o tal do sedex, pago. Ontem, uma semana depois, recebi um novo MP3 de 1 GB, de outra marca como prometido, em um sedex pago por eles, que está funcionando que é uma beleza. :)

Apesar de provavelmente eles não lerem esse blog (o seu alcance ainda tem "bairros" como unidade de medida), deixo aqui um agradecimento público pela honestidade e excelência no seu atendimento, o que, espero, faça com que os detratores dos camelôs sejam um pouco mais razoáveis com eles. Afinal, gente boa e ruim tem em todo lugar; não é a profissão que define a pessoa (tirando talvez no caso dos advogados e publicitários - brincadeirinha...).

Cotas raciais e sociais na UFRGS

Já escrevi alguma coisa sobre as cotas, mas sempre em âmbito geral. A aprovação, nessa última sexta-feira, do projeto que destina 30% das vagas da UFRGS para negros e provenientes de escola pública fez com que eu fizesse esse post mais particular, abordando o caso específico da universidade federal gaúcha.

Em primeiro lugar, defendo que esse debate sobre cotas afasta a discussão do seu ponto crucial, que é aumentar a qualidade do ensino público Fundamental e Médio, o que ajudaria a equiparar a disputa do vestibular, e incrementar o número de vagas e de cursos noturnos nas universidades públicas. Penso que as cotas são uma medida paliativa, conjuntural, que atende a pedidos desesperados por inclusão em troca de votos ingênuos, na medida em que é uma ação predominantemente política. É como tapar o Sol com a peneira, visto que diante da pergunta "o que é mais efetivo: dar cotas ou melhorar o ensino público?", a resposta é óbvia - melhorar o ensino público -, que é a mesma para a pergunta "o que é mais difícil, e portanto mais devagar: dar cotas ou melhorar o ensino público?". Por que um governo deixaria de estabelecer uma política mais rápida, porém menos eficaz, para qualquer coisa, a fim de ter algo a mostrar na próxima campanha eleitoral? Para fazer uma política educacional voltada para o fortalecimento do ensino público que talvez leve anos para dar resultados, fazendo com que os méritos recaiam para os próximos governos - que podem ser a oposição?

Dito isso, vamos ao caso particular da UFRGS. Segundo o projeto aprovado na sexta-feira, dos 30% de vagas destinadas para cotas, metade vai para negros e metade para egressos de escola pública.

Vamos aos problemas pontuais:

- O projeto não prevê nenhum órgão regulador para dizer quem é negro ou quem não é. Na prática, na matrícula o aluno vai assinar um documento no qual vai se declarar negro, e essa é a informação que vale! Ah, mas a Comissão Especial para Implementação de Ações Afirmativas na UFRGS "conta com denúncias de casos de falsidade feitas pela própria comunidade universitária". Considerando o número de pessoas abastadas que têm direito à carência na UFRGS - e olha que é feita uma entrevista com as pessoas, que têm que apresentar "provas" de que são carentes -, isso vai dar muuuuito certo.

- Dos quase cinqüenta cursos oferecidos pela UFRGS (se a gente diferenciar licenciatura e bacharelado, o número é bem maior), somente onze são exclusivamente noturnos. Vamos dizer que um vestibulando egresso de escola pública ou um negro - e portanto, segundo os cotistas, teoricamente pobre - queira um curso qualquer... engenharia mecânica, por exemplo. Se o cara é mesmo pobre, ele deve estar trabalhando oito horas por dia. O curso de Engenharia Mecânica não é à noite, ao contrário; tem cadeiras tanto de manhã quanto de tarde, inviabilizando a sua escolha. Mas nosso exemplo é brasileiro, não desiste nunca, então ele vai fazer História (êta curso bão...), que é um dos poucos cursos noturnos existentes. Ele trabalha das 8h às 18h ali pelo Viaduto Obirici, por exemplo. Ou na Av. São Pedro. Ou na Vila Nova. Enfim. As aulas de História à noite começam às 18h30 e são praticamente todas no Vale (que fica na Bento Gonçalves, exatamente na divisa entre Porto Alegre e Viamão). Nosso cotista vai de ônibus, evidentemente. Dependendo da sua sorte, o cara chega lá pelas 19h30, perdendo uma hora de aula - ou quase um terço do semestre, se ele chegar nesse horário todos os dias. De repente ele possa conseguir um estágio na área de História, passando a ganhar entre 150 e 300 reais, e saia do seu emprego. De qualquer modo, a chance dele largar a universidade durante o curso não é pequena. Enfim, sei que é um caso particular, mas serve para ilustrar como somente dar vagas não é sinônimo de inclusão. E argumentar que a luta pelo aumento de vagas à noite ou de maiores chances de inclusão deve seguir à das cotas é infantil e míope, visto que se isso aí (aumento de vagas e de instrumentos reais de inclusão) for contemplado antes das cotas, estas não serão mais precisas.

- Sobre as vagas para escolas públicas, qualquer aluno que tenha estudado em qualquer escola pública durante pelo menos metade do Ensino Fundamental e durante todo o Ensino Médio tem direito a uma vaga pelas cotas. Daí derivam dois problemas: o primeiro é que pode haver muita gente de classe média alta que vai preferir, de agora em diante, colocar seu filho numa escola pública mais ou menos, cobrir a possível falta de conhecimento com professores particulares e ainda economizar um monte de dinheiro no que gastaria com uma faculdade particular. Isso é inclusão? O segundo é que esse papo de que toda escola pública é necessariamente ruim é muito simplista e não reflete a realidade. Duvida? Procure então os índices atuais de aprovação no vestibular da UFRGS de escolas públicas como o Colégio Militar e o Colégio de Aplicação da UFRGS - ambos incluídos nas cotas - e veja que parecem escolas particulares.

- Nem vou falar das vagas para indígenas, que serão em número de 10, sem necessidade de vestibular e nos cursos escolhidos pelos candidatos. Só uma coisa: por que para índios não vai haver vestibular? Eles não têm tanta capacidade assim?

Para mim, a solução é demorada mas estrutural: deveria-se aumentar o número de vagas e cursos noturnos nas universidades federais, assim como melhorar o Ensino Fundamental e Médio público. Afinal, com ou sem cotas, a UFRGS continua sendo feita para adolescentes de 17 anos que não precisam se preocupar em se sustentar ou ajudar no orçamento de casa.

Igual aos diferentes

Vejo nas ruas pessoas querendo ser diferentes
Diferentes daquelas que consideram comuns
Enquanto caminham por entre as gentes
Não querem ser apenas mais uns

Para tanto se vestem da mesma forma
Que tantos outros que têm pretensão igual
Mal sabem eles que com essa norma
Agem de maneira nem um pouco original

Na verdade eles poderiam ser mais simples
E tentar algo não tão difícil
Se você quer ser diferente, não há outra solução

Basta ser você mesmo sem imitar ninguém
Afinal você é um ser único
Não é seu pai, nem seus amigos ou seu irmão

3 de jul. de 2007

Língua presa

Línguas são expressões de uma cultura, e é muito interessante analisar certos aspectos seus. Veja essa correspondência lógica entre verbo/particípio e verbo/substantivo de "dar" e "doar":

doar = doado
dar = dado
doar = doação
dar = dação (?)

Daí eu fui no pai dos burros e vi que realmente é "dação", mas que nos dias de hoje o termo está em desuso, sendo utilizado somente no meio jurídico - e olhe lá. O interessante disso tudo é que o verbo "dar" é no mínimo tão usado quanto o verbo "doar", mas o seu substantivo há muito já não é utilizado.

Fico pensando se isso não teria a ver com o fato de que, no Brasil, a doação era um ato supostamente nobre e que pressupunha filantropia, mas que de uns bons tempos pra cá ficou associada necessariamente à auto-promoção ("Fulano fez uma doação de tanto"). A doação é quase sempre pública; serve como que para mostrar à sociedade o quão bom é aquele ser, que tira um pouco do seu para dar aos outros - desde que em troca ele ganhe essa bem-vinda publicidade que lhe é oferecida atualmente.

Já a "dação" é diferente. Vinda do verbo "dar", teria um caráter mais inconseqüente; o dador (sim, essa palavra também existe) me parece aquele que, ao efetivar a dação, não quer nada em troca e nem que ninguém fique sabendo. Não digo que isso não possa ser egoísta, na medida em que ele possa dar algo apenas para satisfazer a si próprio, para apagar algum sentimento de culpa ou simplesmente para ficar bem. Porém, o seu ato se refere apenas a duas pessoas: a ele e a quem ele deu, sem nenhuma preocupação exibicionista externa aos dois.

Nessa geração de Big Brothers e de doações milionárias em cheques gigantes com transmissão ao vivo, não é de se estranhar que "dação" tenha caído em desuso e que o próprio verbo "dar" tenha adquirido feições quase puramente sexuais.

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