30 de nov. de 2008

Os Estranhos

Da Wikipédia: Slasher é um sub-gênero de filmes de terror quase sempre envolvendo assassinos psicopatas que matam aleatoriamente. Pecando em vários sentidos em sua produção tanto no roteiro quanto na atuação, edição, fotografia, música e envolvendo muito sangue. Normalmente são feitos com baixo orçamento, daí são constantemente nomeados como "terror b".

Clichê é uma idéia relativa a algo que se repete com tanta frequência que já se tornou previsível e repetitiva dentro daquele contexto.

Acho que o estreante diretor e roteirista Bryan Bertino leu principalmente a segunda frase dessa explicação sobre o gênero slasher quando pensou em fazer Os Estranhos. O filme conta a história de um casal (Kristen e James, Liv Tyler e Scott Speedman, respectivamente) em crise, que vai passar uma noite na casa de veraneio dos pais de James, que fica no meio do nada, e então começam a ser aterrorizados por três estranhos de máscara, tendo que lutar por sua sobrevivência.

Começo a crítica falando sobre um dos únicos méritos do filme: tensão e sustos. Através de uma edição eficaz e uma trilha sonora alta e aguda (principalmente nos momentos de sustos), Bertino consegue deixar o clima tenso principalmente ao longo da primeira metade do filme. Porém, existem dois poréns: primeiro, muitos dos sustos existentes são aqueles totalmente clichês de slashers (como a mão no ombro do mocinho, juntamente com a trilha sonora alta e aguda, que depois revela-se apenas como a mão da mocinha) - só faltou o clichê dos clichês, o gato preto saindo do armário; segundo, a tensão e os sustos não conseguem segurar o filme sozinhos, por causa principalmente do maior erro do filme: atribuir poderes divinos aos três "estranhos".

Sim, isso mesmo: poderes divinos. Os três invasores são oniscientes, onipresentes e onipotentes ao longo de todo o filme. Entretanto, são - ou deveriam ser - pessoas comuns, de carne e osso! Em O Grito, por exemplo, temos um ótimo filme de sustos e tensão, que tem momentos absolutamente cagantes que prendem o espectador graças à edição eficaz e à trilha sonora alta e aguda, mas também ao enredo, que faz sentido dentro da lógica proposta pelo filme (afinal, é um filme de fantasma, então a maneira com que os fantasmas agem faz sentido, pois eles são fantasmas, ora bolas). O problema aqui, em Os Estranhos, é que os personagens-título antecipam todos os passos dos mocinhos, entram e saem da casa sem fazer barulho (corrigindo, fazem barulho quando querem, porque alguns barulhos são importantes para dar sustos) e parecem ter o poder de se teletransportarem, o que é de um absurdo extremo e que retira da tensão e dos sustos o foco do filme, trazendo-o para esses erros de lógica e furos do roteiro - um pecado, infelizmente. Não que o roteiro de O Grito seja lá essas coisas, mas pelo menos tem lógica interna - o que esse Os Estranhos não tem.

Alguns exemplos: tem uma cena em que James vai buscar seu celular no seu carro, que está estacionado do lado de fora da casa. Ele chega no carro, abre a porta e se debruça para procurar o telefone. Então uma mão chega por trás dele e toca o seu ombro. Assustado, ele se vira para trás, mas não vê nada. Olha no banco de trás e nada. Sai do carro e olha ao redor e nada. Ah, e a tal mão fez tudo isso sem fazer barulho algum. Depois ele volta pra dentro da casa, fica um pouco lá, e quando volta para o carro este está todo amassado na frente e com os vidros quebrados. Porém, ninguém havia escutado barulho algum de dentro da casa (detalhe: a casa fica no meio do nada e qualquer barulhinho, quando é pra assustar, pode ser escutado). Aí ele olha pra frente e tem uma mulher ali, a uns vinte metros dele. James pergunta a ela o que eles querem, e Kristen aparece na porta, pedindo pra ele entrar. Ele se vira para dizer a ela que volte para dentro e, quando se vira de volta, A MULHER NÃO ESTÁ MAIS LÁ!! O último exemplo que vou dar (mas que não é o último do filme, juro) é um spoiler que conta um trecho importante do filme; portanto, se você não quer que a história se estrague, vá direto para o próximo parágrafo. Não tem a ver com os super-poderes dos estranhos, mas sim com a falta de lógica que serve para dar sustos: dois meninos entram na casa, depois de todos os acontecimentos, e vêem o casal no chão, todo ensangüentado, imóvel. Um dos meninos se aproxima de Kristen e vai encostar no seu braço, quando ela arregala os olhos e solta um berro. Fim do filme! Ora, quem está na situação dela não fica imóvel e sem fazer barulho, dando um berro quando alguém se aproxima. Essa parte só entrou no filme para fazer com que o espectador saia do cinema com um último (e inverossímil) susto.

Bem, pra não dizer que eu só falei mal do filme, os primeiros quarenta e cinco minutos, que mostram os problemas do casal, são bem amarrados e montados, nos fazendo importar com o destino dos personagens. As atuações não são ruins, mas têm o mesmo problema da maioria dos filmes do gênero: a mulher que fica histérica boa parte do filme e o cara que tenta resolver tudo, mas que só faz mais merda (exemplo e clichê dos clichês: deixar a mulher dentro de casa, sozinha, enquanto vai no celeiro ver um rádio velho; é o velho "fica aí sozinha com o(s) assassino(s) que eu vou até ali fazer uma coisa sozinho e provavelmente ser morto. Afinal, se separar é o melhor a fazer nesses casos, né?").

Para o maior lançamento de Hollywood do ano no gênero, a gente entende porque o Japão e a Espanha continuam como os maiores produtores de filmes de terror da atualidade.

FICHA TÉCNICA

Os Estranhos - Nota C

Direção e roteiro: Bryan Bertino. Com: Liv Tyler e Scott Speedman

27 de nov. de 2008

Mais um texto

Continuando a série de falta de criatividade misturada com tempo para ler textos dos outros, recebi este por e-mail, que no mínimo oferece uma pequena reflexão sobre como as coisas funcionam. Não sei quem é o autor, mas com certeza não é o Veríssimo ou o Jabor, os campeões de "acusações de autoria" dos e-mails:

É comum, você já viu essas imagens antes.
Quem sabe até já se acostumou com elas. Começa com aquelas crianças famintas da África.
Aquelas com os ossos visíveis por baixo da pele.
Aquelas com moscas nos olhos.
Os slides se sucedem. Êxodos de populações inteiras. Gente faminta. Gente pobre. Gente sem futuro.'Vou fazer um slideshow para você. Está preparado?

Durante décadas, vimos essas imagens. No Discovery Channel, na National Geographic, nos concursos de foto.
Algumas viraram até objetos de arte, em livros de fotógrafos renomados. São imagens de miséria que comovem.

São imagens que criam plataformas de governo. Criam ONGs. Criam entidades. Criam movimentos sociais.

A miséria pelo mundo, seja em Uganda ou no Ceará, na Índia ou em Bogotá sensibiliza. Ano após ano, discutiu-se o que fazer. Anos de pressão para sensibilizar uma infinidade de líderes que se sucederam nas nações mais poderosas do planeta. Dizem que 40 bilhões de dólares seriam necessários para resolver o problema da fome no mundo.

Resolver, capicce? Extinguir.

Não haveria mais nenhum menininho terrivelmente magro e sem futuro, em nenhum canto do planeta. Não sei como calcularam este número. Mas digamos que esteja subestimado. Digamos que seja o dobro. Ou o triplo.
Com 120 bilhões o mundo seria um lugar mais justo.

Não houve passeata, discurso político ou filosófico ou foto que sensibilizasse. Não houve documentário, ong, lobby ou pressão que resolvesse. Mas em uma semana, os mesmos líderes, das mesmas potências, tiraram da cartola 2.2 trilhões de dólares (700 bi nos EUA, 1.5 tri na Europa) para salvar da fome quem já estava de barriga cheia.'

24 de nov. de 2008

Da série...

...textos que eu queria ter escrito (é grande, mas vale a pena):

Uma Insuspeita Relação entre Política e Astrologia
Paulo Irineu

Desde os primórdios da humanidade, pessoas como nós têm buscado as mais diversas mentiras para crer. A julgar pela disseminação desta prática, deve existir alguma propensão genética do ser humano para acreditar em tudo o que não é verdade. É como se o nosso cérebro identificasse, através de um mecanismo primitivo, a essência mentirosa das coisas e, imediatamente, se fiasse nelas. Contudo, não nos precipitemos em chamar de estúpidos os homens por suas fraquezas; se eles escolhem os erros, é porque sabem que são erros.

“Mas”, você pergunta, “de que diabos esse cara está falando?!” Ora, amigo, estou falando de você. A menos, é claro, que você não seja humano (nesse caso, entre em contado comigo). Estou aludindo, em verdade, a duas coisas que por ora me vêm à cabeça: o voto, como obrigação patriótica, e a crença nos signos, como refúgio espiritual.

Comecemos pelo primeiro. Quem já não ouviu a velha crítica ao hábito brasileiro de esquecer as misérias que lhes são impostas diariamente para, uma vez a cada dois anos, dirigir-se às urnas para fingir que o seu voto vale alguma coisa? Como podem acreditar que algum candidato, em meio à costumeira corja de carreiristas pilantras, possa ser um salvador iluminado, e que, bastando identificá-lo e elegê-lo, poder-se-á garantir um futuro brilhante para o nosso país? A televisão tem feito insistentes campanhas para incentivar o voto consciente, como se escolher o candidato menos pior fosse sinônimo de consciência política; como se fosse possível identificar o perfil do político por suas promessas – que são iguais a de todos os seus oponentes –, ou pelas ideologias que alegam ter seus partidos – cuja essência constitui-se precisamente na ausência de ideologias. O voto nulo, este que parece ser a escolha mais correta (quando não se tem nada de bom para escolher), é um tabu, associado aos alienados ou aos anarquistas.

As pessoas querem acreditar que o país, um dia, “irá para frente”. Perder a esperança no futuro glorioso do Brasil é heresia social, horror dos patriotas, sinal infalível da derrota moral e da ignorância. Quando escreveu “Brasil, o país do futuro”, o europeu Stefan Zweig desviou-se de suas temáticas preferidas para relatar suas impressões sobre o nosso país, tamanho fora o seu deslumbre; para ele, os brasileiros obteriam um papel central no desenvolvimento mundial, em algumas décadas, tal era a sua propensão para o sucesso. Zweig suicidou-se, pouco tempo depois, e não pôde avaliar as proporções do seu equívoco. Não o culpo, no entanto. Hoje, decerto ele teria outra idéia das coisas que visse; os brasileiros, esses sim, mantêm-se iludidos e contentes em viver no Brasil, onde abunda o carnaval, a bunda e o futebol.

Se, como se sabe, todos os candidatos prometem melhorias em todas as áreas em que se sabe haver déficit, acreditar neles seria o mesmo que considerá-los todos ótimos e enormemente competentes. Mas, nós sabemos, eles não o são. Então, talvez nos reste avaliá-los não pelas suas promessas de campanha, mas pela ideologia de seus partidos. Tentemos isso, porém, e veremos que não há a menor coerência entre propostas partidárias e metodologia de governo. As ações políticas já não são baseadas em ideologias, mas em interesses circunstanciais. Ora, o que podemos fazer é escolher nossos candidatos pela competência que pareçam demonstrar. Para tanto, temos duas opções: ou acompanhamos a vida política do sujeito, o que resultará em total perda de tempo, ou o julguemos pelas feições do rosto.

Se, contudo, não pudermos avaliá-lo segundo tais conceitos, escutemos nas ruas as músicas de campanha e votemos naquela que não for de tão mau-gosto. Se, ainda, nós pensarmos que todas as músicas são ruins, ou que todas são igualmente boas, podemos votar naqueles que tiverem pago mais pessoas para hastear bandeiras nas esquinas, o que, eles devem pensar, representa grande mérito político e sem dúvida nos daria indícios de sua competência inata. Se, afinal de contas, nós não prestamos atenção nas bandeiras, vejamos o logotipo dos partidos e a legenda de cada um, decidindo-nos pela cor mais jeitosa, ou pelo nosso número da sorte. Não importa o que façamos, o país quer que façamos uma escolha. Só não vale votar nulo: só os alienados fazem isso.

Perdoe-me. Às vezes, simplesmente não consigo evitar o sarcasmo.
Tenho que admitir, de todo modo, que ter esperanças no futuro brilhante do Brasil é atitude mais cômoda do que se tornar um pessimista, e que os pessimistas, em geral, são menos felizes. Afinal, não saberia dizer qual o melhor caminho a se tomar com relação às eleições. O que é certo é que as coisas têm sido duras para a humanidade desde que ela começou, e não há razões para se acreditar numa mudança drástica – o que só não se aplica aos comunistas. O fato é que, bastando o Estado dizer, o povo se enfileira e segue estupidamente às urnas, participando da fraude mais bem estruturada da América Latina. Os brasileiros são feitos de palhaço. Vá votar com um nariz vermelho.

Agora, passemos para o segundo tópico: o horóscopo.
Até mesmo nos mais respeitáveis meios de comunicação, pode-se encontrar quem manifeste opiniões baseando-se nos preceitos do zodíaco; o que você pensa disso? Por acaso, você acredita que a gravidade dos planetas tem alguma influência sobre o desenrolar da sua vida? Se sim, por quê? Alguma vez você já teve alguma impressão própria de que os planetas guiavam a sua vida? Você teve algum indício disso pessoalmente? Afora as coincidências que as pessoas acumulam na memória para defender suas crendices, nada indica que o ser humano tenha seus pensamentos, atos e humores orientados pelos astros. Não há razão nenhuma para se induzir uma idéia dessas. Se você acredita nisso, é por duas razões: primeiro, porque você leu em algum lugar ou alguém lhe disse; segundo, porque você quer acreditar. De modo geral, você acredita porque quer saber quem você é, para se sentir seguro, e conhecer as características do seu signo, o que o poupa do trabalho da auto-descoberta, fornecendo um perfil pronto no qual você tentará se enquadrar.

Com pouco esforço, você irá decorar a personalidade-padrão do seu signo e irá convencer-se de que ela é perfeitamente compatível com suas propensões naturais. É enormemente mais provável que a alma humana não seja enquadrada em padrões tão pobres e limitantes quanto uma seqüência de doze quadros místicos, inventados há mais de dois milênios por astrólogos que acreditavam que a terra era chata e que os planetas consistiam em deuses luminosos. Mas a alusão a esses fatos, é claro, lhe deve ser incômoda e ofensiva. Paremos por aqui.

É evidente que a humanidade, em pleno século XXI, continua tão imatura quanto em seus primeiros dias. Se a evolução das espécies constitui-se em uma adaptação ao meio, e não em um aperfeiçoamento das virtudes, como se pensava antigamente, assim também é com a evolução da civilização: ela muda, se adapta aos tempos, mas não se torna melhor a cada século – apenas se transforma. As tolices de milênios atrás ainda são praticadas pelas pessoas mais inteligentes de nosso tempo. Nas palavras de Millôr Fernandes, a mentira passe a ser considerada, depois de um ano, como “apenas uma outra faceta da verdade. Se persistir, dentro de dez anos será um rapto de imaginação da pessoa que a pronunciou. Um século depois já ninguém mais se lembrará de quem disse a mentira e ela será parte fundamental da sabedoria popular, se transformará em fantasia, em canto, em ode, em épico, em conceito geral de eternidade filosófica.”

Portanto, não tenhamos vergonha de ir votar no ladrão mais respeitável, nem de consultar o horóscopo para nos sentirmos menos infelizes; bastaria que, como o nome de nossa espécie sugere (homo sapiens sapiens = homem que sabe que sabe), nós tivéssemos consciência do que fazemos.

Tirei daqui.

19 de nov. de 2008

Músicas do Mês

Oasis - The Shock of the Lighting - Primeiro single do novo álbum da banda, Dig Out Your Soul, esta música muda o meu humor. Posso estar para baixo, triste, mas quando a escuto tudo muda: começo a balançar a cabeça e a caminhar como um Gallagher. Muito boa música, um rockão de primeira em um álbum que, como eu li em algum lugar, é talvez o último em CD que as pessoas esperaram ansiosamente para comprar.



Pearl Jam - I Got Id - O que esperar de uma música feita pelo Pearl Jam junto com o Neil Young? Tinha que dar nisso: uma baita canção, que começa lenta, depois estoura com guitarras distorcidas e, de repente, tu te dá conta que o refrão ainda não chegou e, quando ele chega, melódico e genial, tu pensa: "Pqp!!". Acho que isso é um ótimo resumo de I Got Id (aquele Id freudiano, não de "documento de identidade").

16 de nov. de 2008

Coisas que só acontecem em São Paulo

Na sexta-feira passada, fui abordado por duas senhoras que me perguntaram se eu era um ator da Globo...
(modo vaidade on: será que me confundiram com o Gianecchini?
modo vaidade off: por favor, não comentem...)

Língua presa

Um pequeno exemplo que eu peguei dia desses de como o lugar das palavras em uma frase pode alterar o seu sentido:



Não parece que trata-se de uma garagem de carros estranhos?

12 de nov. de 2008

Proposta 8 e a Democracia

Li no blog do Pablo Villaça um depoimento emocionante a favor do casamento entre homossexuais. O texto está aqui, junto com um vídeo. Essa postagem me fez pensar, entre outras coisas, no papel da Democracia nessa questão, e eu resolvi fazer um comentário por lá. O comentário ficou grande e achei que merecia uma postagem própria aqui no Moldura.

O que eu pensei na hora que li a postagem do Pablo foi na democracia e suas implicações práticas para as maiorias e as minorias. Ora, parece claro que, em um regime democrático, temos a vontade da maioria - pelo menos em teoria -, já que é quase impossível haver um consenso entre a totalidade da população. Logo, é preciso votar as questões que são de interesse de todos e acatá-las ou tentar mudá-las (no plano legal, não estou me referindo a revoluções ou protestos armados ou algo que o valha).

No caso específico da Proposta 8, a maioria venceu. O problema é que quando alguma intolerância (seja ela política, religiosa, o que for) acontece por conta de um pessoa (seja um xá, um ditador, um rei), aí a primeira argumentação que ocorre à maioria dos ocidentais democratas é "viu, se fosse numa democracia...". Mas, quando isso acontece num regime democrático, dentro das normas democráticas (o que é o caso da Proposta 8 e, mais além - e para tornar a coisa mais complexa -, o caso da eleição e manutenção no poder do Hugo Chávez), aí ninguém questiona a instituição da Democracia, mas se revolta e utiliza argumentos com base em xingamentos às pessoas que votaram contra as suas vontades (reacionários, xiitas, comunistas, direitosos, etc.). Veja bem, e se a maioria da população da Califórnia fosse nazista e votasse a favor da eliminação de todas as minorias? Ou se a minoria da Califórnia fosse nazista e exigisse uma eleição a favor dessa eliminação, aí perdesse e ficasse falando "que isso interessa a você?" (vejam bem, eu sei que essa argumentação, para o caso nazista, é rídicula, mas se atentem ao exemplo - extremo, mas ainda um exemplo).

Eu sou completamente a favor do casamento gay e da democracia. A questão é que, nesse caso, venceu o voto da maioria, o que mostra, no mínimo, o grau de preconceito explícito que existe na cabeça do norte-americano médio. Mostra também como a Democracia, normalmente tão incondicionalmente defendida, tem as suas questões e problemas, que são difíceis de resolver. Ruim com ela, pior sem ela? Ou existiria alguma solução prática que ajudaria nesse assunto? Porque, no momento, a maioria das pessoas na Califórnia (a maioria que votou e venceu) está contente com o resultado do pleito. E a democracia se baseia, em princípio, na maioria.

8 de nov. de 2008

E daí? (II)

Após tratar da questão de um negro alcançar a presidência dos EUA pela primeira vez (e não quero desfazer esse fato, apenas quis relativizá-lo com relação à toda esperança colocada nisso), vamos tratar da interrupção dos republicanos no poder, e a suposta melhora que isso trará para o país e o mundo.

Uma vez, assisti uma entrevista com a Luciana Genro em que ela falava da "americanalização" da política brasileira, ao citar a ilusão de se ter o PT no governo federal. Dizia ela que, nos EUA, dois grandes partidos se revezam no poder, ambos servindo aos mesmos interesses, com poucas diferenças básicas entre eles. Isso daria uma ilusão de democracia, já que haveria um sentimento de mudança a cada troca de partido. Porém, no frigir dos ovos, não haveria grandes mudanças estruturais no país.

Na maioria das opiniões políticas a respeito da última eleição norte-americana à presidência, sempre aparece o discurso de que a eleição de um democrata significará uma grande mudança nos EUA. O próprio slogan da campanha de Obama dizia isso ("We can change"), o que mostra bem o imaginário da maior parte das opiniões sobre a polarização política nos EUA. Um exemplo que sempre é dado é que o novo presidente retirará as tropas norte-americanas imediatamente do Iraque. Porém, Obama nem assumiu ainda e já disse que não será bem assim, que talvez tenha que retirar as tropas aos poucos - se retirar. No fundo, o mesmo discurso do seu antecessor, o Bush, e de seu adversário, McCain. Isso sem contar a sua política econômica, que vai se voltar para conter a crise, mas nunca em tentar mudar estruturalmente as engrenagens que movem a economia do país - aliás, é importante lembrar que o pacotão de 700 milhões de dólares que o Bush aprovou recebeu grandes críticas dos republicanos, e só saiu do papel graças ao lobby democrata no congresso.

Em suma, existem diferenças entre republicanos e democratas, mas elas se limitam a um certo ponto dentro de uma grande área em comum: uma área neoliberal, belicista, anticomunista (ou melhor, anti qualquer coisa que não seja do pensamento norte-americano), protecionista e intervencionista que existe há, pelo menos, oitenta anos. Por isso, a eleição de um democrata ou de um republicano pode mudar alguma coisa, mas não tanto quanto parece.

Isso, aliado ao que já foi exposto na outra postagem, serve para relativizar um pouco a euforia que a eleição de um negro democrata causou no mundo. A eleição de Barack Obama tem relevância sim - inclusive relevância histórica -, mas é preciso tentar enxergá-la da forma mais racional possível.

6 de nov. de 2008

A propósito...

...[REC], o filme, vai finalmente estrear nos cinemas brasileiros no dia 14 de novembro. Não perca, vale muito a pena ver na tela grande esse grande terror. Caso queira ler a minha crítica, clique aqui.

E daí?

Então o Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos. Mas e daí? Bem, e daí que é o primeiro negro a conseguir esse feito na história daquele país, e significa a quebra de oito anos de hegemonia republicana. Sim, mas e daí?

A questão racial nos EUA é muito diferente da questão no Brasil. Aqui, temos um racismo polido, meio britânico, do qual quase temos orgulho. Lá, a coisa é bem mais punk - vide, por exemplo, a Ku Klux Kan, ainda hoje com mais de 3000 homens, e os tumultos de Los Angeles em 1992 (http://en.wikipedia.org/wiki/1992_Los_Angeles_riots). Portanto, a vitória de um negro para o cargo de presidente nos EUA pode ser comparada, guardadas as devidas proporções, com, digamos, a eleição de uma pessoa oriunda das classes populares no Brasil. Toda a expectativa em torno do que uma pessoa assim, tão "diferente" do padrão que até então vinha tomando o poder, faz com que pareça que basta a ela subir ao poder para instaurar a felicidade, a igualdade e a fraternidade.

E é exatamente nesse ponto que eu gostaria de tocar: da mesma forma que a eleição de um ex-metalúrgico pernambucano fez com que muita gente acreditasse que finalmente teríamos igualdade no Brasil, lá nos EUA (não só lá, mas enfim) acredita-se que Obama, por ser negro, filho de queniano, etc. e tal, vai acabar com a crise financeira internacional, mudar radicalmente a política externa belicista norte-americana e ajudar o mundo todo. Infelizmente, acredito que esses segundos ficarão tão desapontados quanto os primeiros ficaram.

Sim, porque se o Lula deixou os pobres menos pobres, deixou também os ricos muito, mas muito mais ricos, aumentando ainda mais a desigualdade social no país; além disso, durante o seu governo ele vem tomando várias atitudes que antes ele e seu partido abominavam. Por que ele faz isso? Porque ele é malvado? Porque ele é de origem humilde? Porque ele é nordestino? Não, é porque ele é um homem só, assim como Obama.

Infelizmente, quanto mais eu estudo História mais eu vejo que uma andorinha só realmente não faz verão. Não basta somente alguém chegar, cheio de vontade de mudar o status quo, para que as coisas mudem. É preciso haver mais, é preciso ter um conjunto de características, locais e globais, conjunturais e estruturais, que aqui vou didaticamente chamar de "Winds of change". Não basta, claro, haver somente o vento; porém, não basta somente o homem. Entretanto, parece que não é isso que pensa a imprensa internacional, que vê em um homem como Obama a figura que vai mudar tudo. Claro que, havendo esperança no imaginário das pessoas, pode haver alguma mudança. O problema é que não será nem um milésimo dessa mudança que vem sendo prevista pelos mais otimistas - e por outros nem tão otimistas assim.

Muito em parte, isso tem a ver com outro assunto relacionado, que voltarei a abordar amanhã: o fato de Obama ser do partido rival daquele que governa os Estados Unidos há quase oito anos. Afinal, se eles são rivais, isso quer dizer que devem ser praticamente opostos, não?

Tentaremos chegar a uma conclusão amanhã.

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