Me lembro que, ao sair das exibições de
Homem-Aranha 1 e
2, saí com vontade de assistir o próximo filme da franquia. Isso graças à sensação gostosa de me ver enviado de volta aos meus 13, 14 anos, quando consumia os quadrinhos do aracnídeo de maneira vertiginosa. Os dois primeiros filmes conseguiam, mesmo com uma mudança aqui e ali na história original, passar toda a complexidade das histórias de Peter Parker - um sujeito simplório, um cara normal, um nerd, um loser. Enfim, alguém mais de carne e osso do que um super-herói convencional, alguém como qualquer um. Pois hoje, ao sair do cinema depois de ver Homem-Aranha 3, fiquei com os dois pés atrás em relação às próximas continuações (sim, é para sair pelo menos mais três filmes).
Homem-Aranha 3 nos mostra um Peter Parker de bem com a vida; tudo está dando certo para ele. Porém, alguns - muitos, como veremos adiante - eventos em cadeia vão acontecer e Parker terá que se virar para conseguir re-re-reconquistar Mary Jane e dar conta de três - três! - vilões.
Primeiro os elogios, só pra não dizer que eu não gostei de nada. Os efeitos efeitos são simplesmente fabulosos. Os mais de duzentos milhões de dólares (boatos dão conta de que, juntando com a publicidade, seriam mais de trezentos) investidos serviram para coroar o espectador com cenas de batalha fantásticas e vilões sensacionais. Homem-Areia e Venom estão quase idênticos aos gibis, realizando o sonho de muito marmanjo (eu incluído). Além disso, o filme engrena bem, contando aos poucos a nova - e confortável - situação do Aranha, prestes a pedir Mary Jane em casamento, e nos adiantando que tem vilão novo por aí - justamente o Homem-Areia.
Quem acompanhou a produção desse terceiro
Homem-Aranha sabe que um quarto filme nunca esteve confirmado. Com isso, parece que os irmãos Raimi - que escreveram o argumento - quiseram colocar tudo o que eles achavam que ainda deveria ter na série, mesmo que isso só fosse possível de se conseguir convenientemente em mais do que um filme, nesse aqui mesmo. Teriam que desenvolver mais o Harry Osborn, mostrar mais um vilão, fazer surgir a Gwen Stacy e inserir o Venom - para isso ainda teriam que incluir a história do simbionte -, sem esquecer da Tia May, da Mary Jane, do J. J, Jameson, etc. Tudo isso, que levou anos nos gibis, teria que ser feito em um filme de pouco mais de duas horas. Por isso, somos bombardeados com uma penca de personagens que se sobrepõem, juntamente com inúmeras subtramas não muito bem desenvolvidas e soluções fáceis, beirando o inaceitável. A famosa suspensão da incredulidade tem que ser muito grande para dar conta de todas as coincidências do filme. Sem exagero, este é um dos filmes com mais coincidências por minuto que eu já vi.
Atenção: contém spoilers!!Só para dar um exemplo: Peter tem uma colega chamada Gwen Stacy, que é bonita e está sendo flertada por um cara chamado Eddie Brock. Eddie começa a tirar fotos do Aranha e torna-se concorrente direto de Peter. Uma grua dá problema e começa a destruir um prédio - e quem está lá dentro? Gwen Stacy, prontamente salva pelo Aranha, que mais tarde recebe justamente dela a chave da cidade de Nova Iorque. Enquanto isso, um meteoro cai justo do lado do Aranha, de onde sai o simbionte que vai gerar mais tarde Venom, numa união com Eddie Brock, que quer se vingar de Peter por ele agora estar flertando com Gwen e ter arruinado sua carreira de fotógrafo após uma reação vingativa, graças ao seu comportamento incomum causado pelo simbionte. E isso tudo é apenas um exemplo...
Vocês devem estar pensando: tá, mas não é assim nos quadrinhos? Aí vem mais um defeito do roteiro: não, não é assim. Como foi dito mais acima, toda a trama que Homem-Aranha 3 aborda desenvolve-se por anos nas HQs. Gwen, por exemplo, morre antes de conhecer Venom. Tirando o caso do simbionte - que tem sua origem numa complexa saga que envolveu quase todos os heróis e vilões da Marvel, as
Guerras Secretas, o que torna sua história "original" inviável de ser mostrada em um filme -, todas as outras alterações nas histórias dos outros personagens ou acontecimentos foram feitas com o intuito de fazer tudo caber num só filme.
Falando em Venom, a escolha de Topher Grace para o papel de Eddie Brock foi, ao meu ver, equivocada. Isso porque o Eddie dos quadrinhos é um cara "porradão", enquanto que Topher (que era o Eric na sitcom
That's 70's Show) não tem esse perfil. Já Gwen Stacy e Flint Marko estão muito bem representados, respectivamente, por
Bryce Dallas Howard (lindíssima, como a Gwen deve ser) e Thomas Haden Church.
Não posso deixar de mencionar o que foi utilizado para marcar a mundança no caráter de Parker quando ele está com um simbionte: a estética
Emo. Essa foi uma solução gráfica para mostrar como ele estava diferente de antes. Ora, é uma decisão que, em, primeiro lugar, ignora a inteligência do espectador; parece que apenas a mudança de comportamento não seria suficiente para que fosse possível perceber que Parker estava diferente. Em segundo lugar, por que diabos escolher a estética Emo? Por causa da faixa etária da maioria dos espectadores em potencial ser a mesma desse estilo? Se fosse por isso, nos quadrinhos ele deveria ter virado
poser ou
grunge. E mesmo a mudança comportamental foi mostrada de maneira exagerada: se em alguns momentos nos ofereça os melhores momentos cômicos do filme, em outros ela força muito a barra, quando por exemplo ele está caminhando pela rua, ou - na pior parte do filme, sem dúvida - na cena da dança com Gwen.
Contando com um final deplorável, que utiliza trilha sonora e frases feitas para tentar emocionar a platéia, Homem-Aranha 3 é um estranho dentro da trilogia; tudo o que havia de positivo nos dois filmes anteriores foi ignorado, sendo substituído por escolhas equivocadas. Sinceramente, espero que os próximos filmes da franquia tornem este terceiro uma exceção à regra.
FICHA TÉCNICA:Homem-Aranha 3 (Spider-Man 3) - 2007 - Nota D
Direção: Sam Raimi. Com:
Tobey Maguire, Kirsten Dunst, Thomas Haden Church e
Topher Grace.