30 de jun. de 2007

Músicas do mês

Essa edição do Músicas do Mês está dividida em primeira e segunda quinzena de junho:

Legião Urbana - Mil Pedaços - Não, eu não quero me suicidar. Mas a triste beleza da letra, aliada a uma melodia e instrumental econômicos e uma interpretação de arrepiar de Renato Russo fazem dessa música uma pequena obra de arte. Fazendo parte do último álbum antes da morte de seu líder - A Tempestade, de 1996 -, Mil Pedaços tem a mesma aura das outras músicas desse disquinho: a presença constante da melancolia, da desesperança, da entrega às coisas da vida, mas com um realismo impressionante.

Los Hermanos - Casa Pré-Fabricada - Instrumental meio Weezer, cadência serena, grande letra, essa música foi o tema da minha segunda quinzena de junho. Como diz o morto de fome, "nada como um dia após o outro":

Abre os teus armários, eu estou a te esperar
Para ver deitar o sol sobre os teus braços, castos
Cobre a culpa vã, até amanhã eu vou ficar
E fazer do teu sorriso um abrigo

Canta que é no canto que eu vou chegar
Canta o teu encanto que é pra me encantar
Canta para mim, qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz
Tristeza nunca mais

Mais vale o meu pranto que esse canto em solidão
Nessa espera o mundo gira em linhas tortas
Abre essa janela, a primavera quer entrar
Pra fazer da nossa voz uma só nota

Canto que é de canto que eu vou chegar
Canto e toco um tanto que é pra te encantar
Canto para mim qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz
Tristeza nunca mais...

26 de jun. de 2007

Sobre cotas, de novo... (é longo mas vale)

Atualmente, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) está atravessando um período de debates acalorados a respeito da adoção ou não de cotas raciais para os seus cursos. Para quem não sabe, sou radicalmente contra as cotas, inclusive já escrevi sobre isso. Porém, a urgência da discussão faz com que eu tenha novamente que me manifestar sobre o tema. Para tanto, vou colar aqui um excelente texto de um professor da UFRGS, Bernardo Lewgoy, doutor em Antropologia pela USP, que fala por si. É longo mas, por favor, seja você contra, a favor ou sem opinião formada, não deixe de lê-lo:

Até as pedras sabem que um dos princípios da propaganda ideológica é repetir uma mentira até que esta pareça verdade. Depois de enxugar as minhas lágrimas ao ler tantos argumentos emotivos em e-mails de abnegados campeões da justiça racial, proponho-me aqui a modestamente comentar algumas falácias, proposições destituídas de valor científico, mas carregadas de valor retórico que estão no centro do debate que venho acompanhando em artigos circulando na Internet. Meu único interesse é contribuir para um debate que interessa a toda a comunidade acadêmica e, por extensão, a todos os brasileiros porque altera princípios básicos de nosso direito, instituindo direitos diferenciados de acordo com as raças.

1) Manipulação de dados estatísticos. É a principal falácia, a mais perniciosa. Porque se insiste nos números relativos à raça, cor e renda no Brasil? Porque são os dados que justificam a adoção de ações afirmativas. Se ficar provado que o problema brasileiro é social antes de ser racial, então políticas públicas focadas em raça param de fazer sentido. Se o número de brancos na Universidade for realmente de 97%, fantástico número que ninguém sabe de que fonte surgiu (porque ela não existe!) tudo bem, Mas se não, nosso excêntrico fabricante de dados oficiais para consumo militante vai ser obrigado a se confrontar com os dados oficiais do IBGE, do Pnad e do MEC. E estes mostram o que? Que a desproporção de negros nas universidades públicas em relação à população não é tão dramática quanto apregoam nossos apocalípticos cotistas. Que os negros vêm efetivamente ocupando um maior lugar nas universidades públicas, o que apaga com água o incêndio que se quer apagar com gasolina. Claro, na hora de contar o número de negros no Brasil os pretos são somados aos pardos (48%). Mas na hora de contar quantos eles são dentro da universidade e do serviço público, os pardos não são contados (1%). Velho truque de má fé: manipulação de dados estatísticos! Como não se consegue contestar a desmistificação que Ali Kamel fez deste dado desqualifique-se o Ali Kamel! Remeta-se a um blog onde se contesta uma discussão que Kamel faz da bolsa escola, mas não dos dados sobre racismo! Use-se um argumento de autoridade: que honrados estatísticos ligados ao honrado governo Lula jamais manipulariam dados!! De fato, que absurdo duvidar de gente tão honrada! O que Kamel discute é: se há racismo no Brasil, daí se segue que o não acesso à universidade de pretos e pardos está condicionado pelo racismo? A resposta é não, pq. os dados não provam isso. Acho que o que choca nossos cientistas sociais pró-cotas é que a resposta socioeconômica ao problema das desigualdades sociais é muito tradicional, pouco fashion, pouco complexa e pouco sofisticada e não valoriza a diferença étnica como eles gostariam, não usa referencias bibliográficas da filosofia pós moderna francesa e dos intelectuais pós colonialistas. Às vezes, a realidade é mesmo muito chata...

2) "Há preconceito racial no Brasil, logo as cotas se justificam." Premissa da qual não se segue a conclusão. Somente as terríveis e injustas cotas raciais são a solução para a situação dos pobres de todas as cores, incluindo, repito os 19 milhões de brancos pobres do IBGE? "-Ah, meu caro, esqueça os brancos pobres. Brancos pobres não interessam a ninguém, estão no IBGE mas não dão Ibope!" Vamos então criar uma nova categoria de excluídos, os brancos pobres, uma minoria esquecida, “fora de moda”! Também, quem mandou ser branco? Por que em vez de cotas, as ações afirmativas não poderiam ser políticas de combate ao preconceito racial desestabilizando a noção de raça e afirmando que todos deveriam ser julgados de acordo com nossas ações e méritos? O que sustento é que oficializar a noção de raça para combater o racismo é como combater um incêndio com gasolina. Mas acho que há gente que já se viciou no cheiro de gasolina.

3) "Brancos são contra políticas de ação afirmativa porque são brancos". Tautologia que visa à desqualificação moral do interlocutor . "Claro, aquele ali é judeu, branco e gosta de cachorros, por isso é contra as cotas." Está tudo explicado! Como eu não havia percebido tamanha profundidade de raciocínio? Condena a discussão de saída como se o mundo se dividisse em preto (negro?) e branco. Engraçado que justamente quem fala em diversidade e respeito ao outro logo reduz a diferença de posições ao mais elementar maniqueísmo. Leva à conclusão autoritária de que se negros não concordarem com as propostas cotistas são "traidores". Miranda, do Movimento Negro Socialista, é contra as cotas. O mulato Caetano também. Será que eles têm auto-ódio ? Assim como os negros Condoleza Rice,(ah talvez essa tenha virado branca) que é contra as cotas raciais, assim como os intelectuais negros Thomas Sowell, Kwame Appiah e Paul Gilroy, que criticam a estreiteza da noção de raça? Terão embranquecido? Não,nada disso. É que quando algo se mostra esgotado e desgastado em seu lugar de origem aí é que se torna aprazível no Brasil!

4) A racialização do debate. Você discorda de mim, logo é racista! Um silogismo maniqueísta por excelência, mas cansativo pela monotonia de sua repetição. "Mais racista é quem me diz" - começo a pensar. Há racistas contra as cotas como há anti-racistas contra as cotas. Há também racistas pró-cotas (puxa e fazem um barulho danado!) assim como eu acredito que há pessoas antiracistas, honestas e inteligentes a favor das cotas (embora raramente esses adjetivos se conjuguem na mesma pessoa). Essa estratégia retórica pode ser chamada de má fé ou mau caráter. Não sei se quem discorda de mim é reprimido sexual ou está sofrendo de delirium tremens, não sei qual a proporção de gens caucasianos ou de sangue asiático no sangue de quem discorda de mim. Será que teremos de fazer exame de DNA e passar por um Tribunal Racial para poder participar de um debate de interesse de todos? A única coisa que tenho à disposição são argumentos, teses, dados. Durma-se com um barulho desses

5) A chantagem da vítima. Esta quer fazer crer que quem critica as cotas despreza o sofrimento e o ponto de vista de negros e pobres."-Sou negro e sofro mil vezes mais do que você, logo você nunca vai entender o que eu passo." Pascal Bruckner, em O Pranto do Homem Branco desvendou esse argumento. Chama-se terceiro-mundismo, e é uma expressão laica do Pecado Original cristão, que é o de ser Branco Imperialista Ocidental Etnocêntrico e que deve reparação ao infinito, por toda a eternidade pelo que seus ancestrais fizeram aos outros não-brancos. Leva ao militantismo expiatório, que é dizer que o outro lhe deve reparação, senão ele é também cúmplice do Pecado Original. Quando leio um colega afirmando que "os judeus e os negros têm uma ontologia própria e as experiências não são comparáveis" é tão fantástico que não dá pra dizer nada, fiquei mudo pensando no meu processo de branqueamento não realizado... Acuse muito alguém de te discriminar, de menosprezar a tua identidade cultural, etc. e você criará uma imunidade para si como uma varinha de condão, vc não é mais reprovado nem despedido. Se a dor da vítima calar o debate racional, fundado em argumentos cotejados na esfera pública, então deveríamos deixar apenas as vítimas de crimes reescreverem o Código Penal. É um discurso bacana, pena que pessoas que nunca sofreram discriminação possam também usá-lo para conferir uma falsa força ao seu débil argumento. Ah esse acesso de santimônia racial me dá medo. Será o medo branco contra os anjos anti-racistas? E o mérito, o mérito foi pro saco, é claro. Defensores de cotas não acreditam nem nunca acreditarão que negros e índios possam entrar na Universidade por mérito próprio porque no fundo eles nem acreditam no mérito nem acreditam na capacidade de negros e índios. Quem é racista?

A quem interessar possa

O Despertar de uma Paixão

O Despertar de uma Paixão é um filme inspirado no romance O Véu Pintado, do britânico Somerset Maugham, que conta uma história interessante do ponto de vista das histórias de amor. Vivendo nos anos 1920, Walter e Kitty Fane formam um casal que está junto por motivos distintos: enquanto ele casou com alguém idealizado, ela o fez apenas para se livrar da sua família. Um tempo depois do casamento, o casal muda-se para a China, onde Kitty trai o marido com Charles Townsend, por quem se apaixona. Walter descobre o adultério e, como vingança, se muda com ela para um vila chinesa que está tomada por uma epidemia de cólera, onde ele trabalhará como médico voluntário. Kitty, depois de ser recusada por Charles, é obrigada a ir junto para evitar o escândalo que viria pelo divórcio. A partir daí, o filme mostra a relação conflituosa do casal em um ambiente hostil, em que a cólera é apenas uma das ameaças; por serem britânicos, os Fane são alvo fácil de retaliação por parte dos chineses nacionalistas que lutavam por independência.

Nos quesitos técnicos, o filme se mostra muito bom. Contando com uma fotografia excelente, auxiliada pela linda natureza do lugar (o plano em que uma parte do vilarejo é mostrada sob raios de Sol é fabuloso), O Despertar de uma Paixão faz um retrato fiel da China dos anos 1920 ainda tomada pelos ingleses. A direção de arte é muito boa, recriando o clima tanto da Inglaterra quanto da China. É interessante perceber a diferença das cores usadas nos diferentes locais do filme: a casa em que o casal Fane mora na China, por exemplo, sempre aparece em tons escuros, quase claustrofóbicos. A montagem do filme é outro ponto positivo: o primeiro ato conta com uma estrutura interessante, pois nos adianta questões futuras sem entregar nada; somos gradativamente informados sobre o que aconteceu no passado para que a situação no presente se desvele para nós. Depois do primeiro ato, a montagem passa a ser mais tradicional, e essa mudança de estilo é feita de maneira natural, sem prejuízo ao andamento da história.

Andamento este que é propositadamente, lento, arrastado. O diretor John Curran optou por fazer um filme contemplativo, em que a câmera parece apenas acompanhar os personagens e suas ações. Aos poucos, conseguimos compreender o âmbito psicológico do casal Fane e até que ponto o amor leva as pessoas a atos extremados: da tentativa de vingança – quase suicida – por parte do sr. Fane à relativa redenção encontrada pelo casal, somos testemunhas de momentos sublimes por parte de Edward Norton e Naomi Watts – dois dos melhores atores da sua geração, sem dúvida alguma. Afinal, Walter idealizou uma pessoa na figura de Kitty, criando expectativas que esta, obviamente, não pôde atender. Já Kitty se apaixona por Charles pois vê nele o homem que Walter, com quem casou apenas para agradar a família e ao mesmo tempo se ver livre dela, não era – nesse sentido, a cena em que Charles descreve para Kitty uma apresentação teatral chinesa é reveladora.

Dos grandes momentos do casal no filme, podemos citar, por exemplo, quando Kitty come a salada não lavada, arriscando a sua vida de maneira kamikase na frente de Walter, que por orgulho decide comer também. Ou quando uma determinada notícia é dada a Walter por sua esposa, em que a interpretação dos dois atores é crucial para o entendimento da profundidade dramática da cena. Os atores coadjuvantes também fazem um trabalho eficiente, tornando o filme mais forte e coeso.

Apesar de tudo isso, O Despertar de uma Paixão não é um filme bom apenas nos quesitos técnicos; sua história, longe de ser um dramalhão que apela para velhos clichês, trata de encarar como amor e ódio levam as pessoas para longe de si mesmas, como fazem com que pessoas tomem certas atitudes sem pensar e, principalmente, como duas pessoas podem se dar bem juntas em determinadas situações; se estivessem em outro momento ou lugar, talvez a relação fosse diferente – para o bem ou para o mal.

FICHA TÉCNICA:

O Despertar de uma Paixão (The Painted Veil) - 2006 - Nota A
Direção: John Curran. Com: Edward Norton e Naomi Watts.

21 de jun. de 2007

Grêmio 0 x 2 Boca Juniors

Estádio Olímpico Monumental, Porto Alegre
Gols: Riquelme 23' e 35' 2t

Imortalidade: S. f.

1. Qualidade ou condição de imortal.
2. Duração perpétua; eternidade*.

Só pode haver um. Não, eu não estou citando Highlander e fazendo referência ao suposto Imortal. Estou falando que só pode haver um ser chamado Dercy Gonçalves. Isso talvez explique o fato de o Grêmio não ter vencido a Libertadores esse ano. Afinal, Milton Neves havia lançado um desafio: caso o tricolor conquistasse o título ele mudaria seu nome para Dercy Gonçalves Neves. Evidentemente, não se brinca com um semi-deus de um século de vida - aliás, dá pra dizer que a Dercy é a única imortal nessa história.

Ou talvez as explicações possam ser as seguintes:

- o Boca é verdadeiramente Copeiro, com "C" maiúsculo;
- Riquelme vale cada centavo dos dois milhões de dólares pelo seu empréstimo de quatro meses;
- o Boca não pipoca fora de casa;
- o Boca sabe exatamente como jogar com um resultado já construído: ele cozinhou o jogo todo e em dois ataques fulminantes matou a partida;
- o Boca não precisa de gol de pênalti na final. Por isso, é o Palermo quem bate as cobranças;
- a diferença entre os times foi tão grande, mas tão grande, que foi a maior diferença de gols em uma final de Libertadores na história.

Enfim, dessa derrota ficam a bela atuação de Gavilán, o show das duas torcidas e uma imortalidade falecida. Não foi desta vez, o que é uma pena. Afinal, um título gremista corroboraria uma fase excelente do futebol gaúcho no cenário internacional - seria a primeira vez que dois times do mesmo estado ganhariam a taça em seqüência -, além de calar a boca de muito jornalista do eixo Rio-São Paulo. Mas não dá nada, ano que vem de repente tem mais.

* Fonte: Dicionário Aurélio.

(Para a visão gremista, clique aqui)

A criatividade das criaturas

De modo geral, sou naturalmente pessimista em relação aos seres humanos. Penso que não somos tão racionais quanto achamos; preferiria usar 100% do cérebro de um esquilo aos nossos 10%, se é para fazer tudo o que a gente faz: machucar, enganar, tirar vantagem, matar, destruir... Enfim, acho que deu para dar uma idéia.


O caso é que, às vezes, a humanidade me surpreende de forma positiva, principalmente quando eu vejo alguma "obra-prima" da criatividade humana:



Ô bichinho criativo esse tal de hômi!

Vi no Jacaré Banguela.

20 de jun. de 2007

Tio Nietzsche

“Ninguém pode construir em teu lugar
as pontes que precisarás passar,
para atravessar o rio da vida
- ninguém, exceto tu, só tu.
Existem, por certo, atalhos sem números,
e pontes, e semideuses que se oferecerão
para levar-te além do rio;
mas isso te custaria a tua própria pessoa;
tu te hipotecarias e te perderias.
Existe no mundo um único caminho
por onde só tu podes passar.
Onde leva? Não perguntes, segue-o”

Nietzsche

19 de jun. de 2007

C***lho!!!

O ano é 1986. O programa é o "Karaokê da Gabi", com apresentação de Marília Gabriela. O convidado é Paulo Maluf, na época deputado federal pelo PDS. A afinação inexiste. Detalhes: os aplausos entusiasmados da futura ex-mulher de Gianechini, a linha vocal totalmente excelente e o trecho "o seu coração é uma casa de bortas abertas". E você achava que o Maluf era um político ruim? Como cantor, ele é um ótimo administrador público!



Canta mas não mata!

18 de jun. de 2007

Portas fechadas, caminhos abertos

Saio. Atrás de mim, uma porta se fecha.
Deixo para trás sonhos desfeitos, uma vida promissora, esperas.
À frente, só vejo falta.

No caminho, sinaleiras fechadas. Chuva sem guarda-chuva. Ônibus recém perdidos.
No rádio, música ruim.
No céu, cor cinza.
No espírito, mau-humor.

Canso dessa direção. Mudo o rumo.
Na minha frente, uma vereda aberta.
Através dela, tudo sendo construído à medida em que passo.

No caminho, sinal verde. Banhos de chuva. Ônibus na hora.
No rádio, música preferida.
No céu, sete cores.
No espírito, a paz de estar quite.

Repostando...

Escrevendo certo por linhas tortas

Até um tempo atrás eu não gostava de ver em fóruns ou no Orkut ou em qualquer lugar aquelas formas alternativas de escrita (tipo "vo6 saum du caralhu"). Achava aquilo um atentado à língua portuguesa, uma demonstração intencional de ignorância, etc, etc, etc. Pois bem, depois de pensar um pouco mais demoradamente no assunto, eu confesso: estava errado.

Sair falando mal desse tipo de comportamento é puro preconceito. Explico: quem, dentre os nobres leitores deste humilde blog, fala um português 100% correto? Nós, os gaúchos, por exemplo, adoramos falar o "tu" e usar o verbo na terceira pessoa do singular (tu sabe?), e amamos cortar alguns "s" do final das palavra*. "Ah, mas a fala é uma coisa, a escrita é outra." Não. Não é. Vai dizer que nunca ouviu alguém falar alguma coisa errada (tipo "tem bem menas gente aqui hoje") e ficou pensando "hum, que mangolão"? Os erros ocorrem tanto para a escrita quanto para a fala, e o preconceito é o mesmo. E esse preconceito está muito calcado no status.

Max Weber chamou a atenção de que não é só o capital que forma uma elite; é preciso também haver status (prestígio social), que se consegue através de uma série de estratégias, dentre elas o uso de comportamentos próprios e de preconceitos quanto a qualquer outro comportamento. Pois bem, o escrever/falar certo é um desses comportamentos. Se eu escrevo/falo certo, me coloco em um nível acima daqueles que não o fazem. Vamos pensar bem: uma pessoa que erra uma palavra, seja escrita ou falada, não tem A MENOR CHANCE de ser tão capaz de expôr suas idéias quanto outra que não erre? Qual é a relação entre as duas coisas, a não ser a manutenção de um prestígio social? É importante existir uma gramática que normatize a língua; afinal, de outro jeito talvez não conseguíssemos nos entender. Mas não pode se perder de vista que essas normas são, em última instância, políticas.

Essa escrita estilizada que existe por aí hoje em dia nada mais é do que a expressão de uma geração. Se essa geração está equivocada em seus princípios, isso não tem nada a ver com o fato dela escrever desse jeito - isso porque qualquer geração tem suas gírias próprias, o que é até mesmo fonte de identificação de grupos sociais diferentes. Achar que alguém que escreve de um jeito xis não consegue estabelecer uma argumentação lógica é cair no puro preconceito. Não estou aqui dizendo que TODOS os que escrevem assim o fazem sabendo como a mesma frase ficaria com um português correto, ou que TODOS são ótimos na retórica. Apenas que essa forma de escrita pode ser uma opção - ninguém nunca escreveu num e-mail alguma abreviatura, por exemplo?

* ironia óbvia

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