5 de mai. de 2009

Espírito de Porco

Então tá: começou mais um espetáculo da mídia mundial. É a tal gripe suína, influenza porcina, vírus A, ou sei lá o novo nome que a doença recebeu. Começou com as autoridades mexicanas divulgando 110 mortos, um número que por si só já não dizia muita coisa, visto que só a Cidade do México tem 22 milhões de habitantes, mas ok. Aí, o número oficial de mortes foi reduzido para 7. Sim, sete.

Os números oficiais mais recentes, hoje, dia 5 de maio, são os seguintes: no MUNDO INTEIRO (leia-se: mais de seis BILHÕES de habitantes) temos 1124 casos confirmados (espero que não sejam tão "confirmados" quanto aqueles iniciais do México) e 25 mortes. Sim, vinte e cinco mortes, desde março. Dois meses, vinte e cinco mortes dentro de uma população de 108 milhões de pessoas (se ficarmos só com o México) ou de 6,6 bilhões de pessoas (se pegarmos todos os habitantes do mundo).

Enquanto isso, entre as "doenças de pobre", que parecem não afetar ninguém, porque a grande mídia não noticia porra nenhuma, a dengue, SÓ NO RIO DE JANEIRO, matou 106 pessoas em 2008, entre 127 mil casos registrados, com mais 87 mortes que podem ter sido também causadas pela dengue. Só pra lembrar, o estado do Rio de Janeiro tem pouco mais de 15 milhões de habitantes (bem menos que a Cidade do México).

Ah, mas vamos falar de outra coisa. Vamos falar de... malária! Essa doença, também de pobre, possui números mais alarmantes ainda: ela mata 3 milhões de pessoas e atinge 500 milhões de pessoas por ano no mundo inteiro. Quer mais? Das pessoas mortas por ano, um milhão são crianças com menos de cinco anos. Quer mais? "Segundo a OMS, a malária mata uma criança africana a cada 30 segundos, e muitas crianças que sobrevivem a casos severos sofrem danos cerebrais graves e têm dificuldades de aprendizagem."

Isso tudo me leva a duas perguntas: qual a diferença entre essas três doenças, e por que a tal gripe A é a onda do momento? Resumidamente, por dois motivos:
1 - porque a imprensa precisa de um assunto novo e "impactante" pra encher a pauta e distrair os Homers Simpsons (modo Willian Bonner on);
2 - porque a gripe suína não escolhe só pobre.

Isso bastou para causar um pânico mundial e fazer as pessoas lerem, assistirem e ouvirem mais e mais notícias (muitas vezes desencontradas) sobre a "pandemia" - e, por consequência, a acreditarem mais e mais em tudo o que leram, assistiram e ouviram. Tá bom, pandemia. Quer uma verdadeira pandemia? É só lembrarmos da Gripe de 1918 (erroneamente chamada de Gripe Espanhola). Espalhando-se no fim da Primeira Guerra Mundial, essa gripe afetou 50% da população mundial e matou mais de 40 milhões de pessoas - entre elas, o presidente da República brasileiro na época, Rodrigues Alves. A sua taxa de letalidade foi altíssima, atingindo entre 6 e 8% (chegaram a informar que a gripe suína de 2009 teria 7% de taxa de letalidade, dado desmentido dias depois - pra variar).

É claro que eu não quero dizer que essa gripe não é de nada, que só come marmelada. Ela pode se transformar em uma pandemia grave se não for contida, e nesse sentido é importante a ação da OMS e também da imprensa - que deveria vir sem exageros, números apressados e equivocados e geração de pânico desnecessário.

Poderíamos aproveitar esse momento para abrir os olhos não só para a ameaça da doença, mas para a ameaça do mau jornalismo, essa sim uma pandemia que dura décadas e já causou muitos estragos a muitas pessoas. Infelizmente, acredito que a humanidade vai se livrar da gripe suína muito antes - e muito mais facilmente - do que do espírito de porco da mídia mundial.

3 comentários:

André disse...

Se alguém parar pra prestar atenção, vai ver que as notícias normalmente vem casadas com advérbios de dúvida (tá certo? sou péssimo em gramática) como "possivelmente" e "provavelmente" e "talvez".

Coisas do jornalismo.

luciano disse...

Nesses dias teve um jornal, acho que da band, que noticiou sobre a dengue em salvador. O cenário era aquele de subúrbio muito pobre, com ruas não pavimentadas, casas velhas de madeira e esgoto a céu aberto. Mais de cem mortes, principalmente crianças. Dá pra lembrar também do tema de assassinato de crianças. Quantas crianças devem ser assassinadas por dia, das formas mais sádicas? E qual foi o caso que a mídia corporativa utilizou pra chamar a atenção das massas: a de uma criança de famílias da alta burguesia. Nada contra as crianças burguesas, mas se fosse filho de operário, não teria a repercussão que teve. É isso aí, muito bom o texto!

Laura disse...

Na ultima viagem que fiz (semana passada) parei em três aeroportos e duas rodoviárias diferentes. Em TODOS recebi um folder sobre a tal gripe....

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