17 de abr. de 2007

300 Confusões

Nota: assisti o filme no fim-de-semana de estréia, mas só escrevo agora sobre ele por conta das polêmicas que andou causando. Pelo mesmo motivo, o texto é longo. Se você não gosta de textos longos, favor clicar aqui.

Não gosto quando superestimam algo. É mais ou menos como aquela coisa de alguém olhar para uma "obra" pintada por um macaco e encontrar nela uma analogia às angústias do mundo contemporâneo, um libelo contra os horrores da guerra, etc. Me parece que é exatamente o que está acontecendo com 300, de Zack Snyder, nos cinemas
do Brasil já há umas duas semanas.

E a inflada não é em relação à qualidade; aliás, na maior parte das críticas sobre o filme, o que menos se fala é sobre os seus méritos ou seus defeitos, mas sobre o suposto subtexto político belicista ou a suposta ode ao homossexualismo ou as inverdades e/ou anacronismos históricos que ele conteria.

Para começar, é bom lembrar que o termo "sétima arte" para o Cinema só surgiu em 1911, dezesseis anos depois da primeira exibição pública e paga, graças ao Manifesto das Sete Artes, de Ricciotto Canudo. Desde então, assim como outras "artes" - música e literatura, particularmente -, o Cinema sempre se viu oscilando entre o "popular" e a "arte", como se as duas fossem água e vinho, ou como se uma anulasse a outra. Daí que sempre que surge uma obra mais "popular", o pessoal da "arte" já abre o bocão. Exemplos atuais disso estão no funk, na auto-ajuda - para música e literatura, respectivamente - e nos blockbusters, para o Cinema.

O Blockbuster (ou Arrasa-Quarteirão, literalmente) é uma classificação dada aos filmes que têm uma bilheteria muito, muito grande. O termo foi usado no cinema pela primeira vez em 1975, quando Tubarão conseguiu a façanha de ser o primeiro filme a ultrapassar os 100 milhões de dólares em bilheteria. Atualmente convencionou-se como blockbuster aquele filme que fatura mais de 200 milhões de dólares nos EUA, ou 400 milhões no mundo todo. A cada filme desses uma legião de mal-amados vocifera contra defeitos aparentemente importantíssimos, humilhando o dito cujo e preferindo assistir aquele lançamento iraniano, muito melhor (parênteses: não estou criticando o cinema iraniano. Apenas estou fazendo uma constatação, a de que quem critica blockbusters parece ser obrigado a amar filmes cult, principalmente os iranianos, sei lá por quê). Temos aí estabelecidos então dois tipos de filme: o sério, aquele que se esforça em soar real, aquele que é arte, e o "de arreganho", aquele que para alguns só serviria para imbecilizar a quem os assiste.

Pois o pessoal se esquece de uma coisa chamada suspensão da incredulidade. Em termos bem simples, isso significa que quando a gente assiste um filme, sabemos que é um filme. Logo, suspendemos nossa incredulidade e não damos tanta bola ao fato de o mocinho matar trinta bandidos com um canivete e uma caneta (?) ou algo do gênero. Afinal, é só um filme. Esse recurso é amplamente utilizado para ser possível assistir, por exemplo a filmes de super-heróis.

Veja bem, não estou dizendo que não existam filmes ruins ou filmes ideológicos. Apenas quero dizer que nem sempre um filme se dá tanta importância quanto ele acaba tendo. Veja por exemplo o caso de Cannibal Holocaust, que era só para ser um filme de terror e acabou causando a prisão do seu diretor por acusação de assassinatos. Nesse sentido, o caso de 300 me parece exemplar. Talvez o filme nem rendesse tanto se as pessoas parassem de procurar cabelo em ovo. Ou nos peitos dos atores do filme.

Depois dessa longa introdução vamos ao filme em si. 300 não é ruim, longe disso: contando a história da Batalha das Termópilas a partir da fantasiosa graphic novel de Frank Miller, o filme nos brinda com uma produção impecável, visualmente falando. Da fotografia à direção de arte, 300 nos leva para dentro da obra de Miller, reproduzindo de maneira muito fiel a estética dos seus quadrinhos - o que não deixa de lembrar Sin City. As batalhas são coreografadas quase como um balé e de maneira tão caprichada que os caras no fundo da tela estão lutando também, e não apenas sendo coadjuvantes. Tudo é esteticamente belo no filme, mesmo os símbolos de violência: do sangue e das perfurações das lanças à árvore de mortos, os quadros montados pela equipe são contagiantes.

Porém, o que o filme tem de fiel no quesito visual não o tem tanto assim no textual. Ao introduzir uma longa seqüência com a
a rainha Gorgo, esposa do rei Leônidas, os realizadores pisaram feio na bola e fizeram com que qualquer acelerada na "adrenalina" do filme fosse rapidamente colocada na velocidade "tartaruga manca". Explicando resumidamente a estrutura do filme: introdução, batalha, conversa furada da rainha Gorgo, batalha, conversa furada da rainha Gorgo, batalha, conversa furada da rainha Gorgo, batalha, conversa furada da rainha Gorgo, fim. Isso torna tudo muito truncado, sem nunca decolar de vez. É claro que o filme engrena - e nesse sentido as cenas de batalha ajudam muito -, mas acaba sendo como um carro que pode ir a 300 km/h e só vai a 100 km/h.

Para terminar, vamos aos supostos "problemas" externos ao filme:
subtexto político belicista, ode ao homossexualismo e inverdades e/ou anacronismos históricos.

Subtexto político belicista

Teve gente que viu no filme uma propaganda subliminar à provável campanha belicista de George W. Bush contra o Irã. Isso porque a cultura ocidental seria totalmente derivada dos gregos e o Irã é localizado no mesmo local onde era a Pérsia de Xerxes.

Céus, quanta besteira! Em primeiro lugar, dizer que nossa cultura ocidental deriva diretamente da grega é, no mínimo, exagero. Se fosse assim não seríamos cristãos e ainda viveríamos em cidades-estado. Todos os conceitos que nós apropriamos dos gregos chegaram através de filtros que os deturparam tanto que só restou, na grande parte dos casos, uma sombra do que foram na Grécia Antiga. Nem o conceito de democracia é o mesmo, já que os ocidentais preferiram a democracia representativa para poderem curtir o sedentarismo numa boa. E o fato de o Irã ser no mesmo local da Pérsia... Para começar, a Pérsia era maior do que o Irã é hoje. Ou seja, os iranianos estão numa pequena parte do que foi o reino persa. Mais uma vez parece haver uma transposição direta, quando na verdade o que existe não é tão direto assim.

No fim, tudo é uma questão de ponto de vista. Afinal, eu poderia dizer que o filme é, na verdade, uma mensagem ao povo do Irã para resistir aos ataques dos americanos. Isso porque o filme trata de um insano com o maior poder bélico do mundo - Bush -, que tenta dominar um povo com um exército infinitamente menor - o Irã -, mas que resiste bravamente. O ataque, que parecia fácil e rápido, demora mais e é mais difícil do que o pensado, o que dá moral suficiente aos que resistem para que eles derrotem o gigante - opa, aí já podemos até colocar o Iraque!

Enfim, cada um lê do jeito que quer.

Ode ao Homossexualismo

Qualquer um já sabe, nos dias de hoje, que nós somos muito mais caretas hoje em dia do que os nossos antepassados da Antigüidade. Afinal, os romanos promoviam bacanais muito mais hardcore do que qualquer carnaval brasileiro e os gregos encaravam o homossexualismo numa boa, sem medo de ser feliz. Aliás, eu poderia dizer que o filme até trata pouco sobre o tema, visto que deveria ter mostrado, no mínimo, o Leônidas carcando alguém do seu grupo. Veja essa imagem, uma pintura de Jacques-Louis David sobre a Batalha das Termópilas, datada de 1814, e veja se o filme é que é exagerado na bixice.

Inverdades e/ou anacronismos históricos

Leia o parágrafo sobre
suspensão da incredulidade e acompanhe comigo: tudo bem existir um gigante deformado que parece o Slot no filme, mas ter erros históricos é um absurdo, um desserviço à História! Gente, filme não é história. Nenhum filme é histórico, nem aqueles que dizer ser. Isso porque a História é uma seleção (de fatos, de épocas, de fontes) e essa seleção é subjetiva, pessoal. Logo, se eu fizer um filme sobre a Revolução Francesa ele vai ser "historicamente" diferente de um que você fizer. Terá outros enfoques, tomará algumas liberdades ou não, mas com certeza não as mesmas, etc. Não espere ir ao cinema e ter uma aula de História. Às vezes nem na faculdade você consegue uma, acredite.

Enfim, dê uma chance ao cinema entretenimento: vá ver 300, pois ele tem suas qualidades. Se mesmo assim você não quiser vê-lo, outro dia eu te indico um iraniano tri bom.

FICHA TÉCNICA:

300 (2007) - Nota: B
Direção: Zack Snyder. Com: Gerald Butler, Rodrigo Santoro, Lena Headey, Dominic West, David Wenham, Vincent Regan, Michael Fassbender, Andrew Tiernan.

7 comentários:

Anônimo disse...

kra...como já tinha te dito pessoalmente...o filme é muito bom...só achei q fizeram uma propaganda exagerada dele...eu esperava ver algo que me fizesse sair do cinema pensando:"nossa, como pude viver até hj sem ver esse filme". Sacou? Lógico q não foi isso q aconteceu...mas eu recomendo com certeza!!!
Ah...quanto aos outros casos...definitivamente me recuso a aceitar ou ouvir críticas desse tipo...afinal, cinema é diversão e um mundo imaginário!!! Ficar pagando de intelectual é uma idiotice sem tamanho...fazer o que né??!!!! é só mais uma atitude preconceituosa q vem disfarçada de intelecto superior...hehehehehehehe
babacas...
abraço rapá...
Falooooooooooooooooow.

Rodrigo disse...

Ainda não vi o filme mas tenho vontade de ver. Logicamente não esperava ter uma "aula de História" no filme. E aliás, concordo totalmente com a tua frase "Às vezes nem na faculdade você consegue uma, acredite.", me faz lembrar de algumas cadeiras medonhas que já tivemos...

André disse...

"suspendemos nosssa incredulidade e não damos tanta bola ao fato de o mocinho matar trinta bandidos com um canivete e uma caneta (?) ou algo do gênero."

Cara, meu professor de Semiologia na faculdade jurava que podia matar alguém com uma caneta através de alguma arte marcial obscura.

Quanto ao filme, já falei (e muito) lá no Cataclisma. Não havia abordado essas questões de belicismo, história e homossexualismo, mas concordo contigo, e imagino que isso nem tenha passado pela cabeça dos produtores.

Eu mesmo disse...

André: tive que usar da suspensão da incredulidade para acreditar na história do teu professor.

Anônimo disse...

ficou muito bom o texto sr valter vanderlei (!!!). Diferente do outro texto q me foi enviado. O cara se jurava o mais cult da vale do taquari... bem essa história de filme iraniano. heheheh
Ah, vai catar coquinho. Relaxa e goza... pára de atucanar, ideologizar qualquer coisa, toma uma coca-cola! A n ser q isso seja capitalista de mais pra essa gente! rs
Pra te ver como eu detestei aquele texto! hehe! fiquei "pouco" putiada! hehe
Ah, mas essa gente bancando de intelectual cansa!

Ah, gostei do título tb!
bjos!!

Magarefe disse...

Vejam Roma, a série da HBO. Aquilo sim é uma lição de como juntar "história" e "estória", como divertir o público sem fazer grandes concessões. Vale a pena. Tito Pulo para presidente!

Kleiton disse...

Arte tem que ser analisada como arte. E fim de papo.

E a "arte marcial obscura" do nosso professor é o Krav Magá, nada mais nada menos que a arte marcial do exército israelense.

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